Opinião

Testamentos durante o período de isolamento social

Elaboração de documento deve ser feita com critério para evitar questionamentos no futuro

20 de abril de 2020

Por Marina Pelegrini Oliveira

Artigo publicado originalmente na ConJur

Flexibilização e adaptação são as palavras do momento: normas têm sido revistas e procedimentos, alterados como medidas paliativas diante da inesperada realidade que vivemos — a da epidemia da Covid-19.

Este movimento vai ao encontro dos anseios do Direito Civil contemporâneo, permeável às mudanças sociais, notadamente no campo da doutrina e nas decisões judiciais. Entretanto, é necessário cautela no que se refere aos negócios jurídicos com forma prevista em lei.

O testamento é recurso muito usado para fins de planejamento sucessório, pois permite ao autor registrar sua vontade para após a morte, tanto em relação à destinação de seu patrimônio quanto em relação a outros aspectos de sua vida privada (reconhecimento de filhos, nomeação de tutor e funeral, entre outros). É medida também benéfica aos herdeiros: quando bem elaborado, o testamento facilita em muito o processo de inventário.

Conforme os artigos 1.857 e seguintes do Código Civil, é um negócio jurídico unilateral, personalíssimo e formal. Entre as espécies previstas, destacam-se os testamentos público e particular.

O testamento público é aquele feito mediante escritura lavrada perante um Cartório de Notas e possui como principal característica a segurança, tanto em relação às formalidades quanto ao conteúdo do documento e à existência. Já o testamento particular, elaborado e guardado pelo testador, possui a vantagem de maior privacidade e menor custo, tanto financeiro quanto de tempo para elaboração.

Ambos exigem a presença de testemunhas no momento da assinatura pelo testador. Como proceder em tempos de isolamento social? Dispensar as testemunhas, na expectativa de que o juiz valide o documento após a morte, considerada a situação”excepcional” de sua lavratura, conforme prescreve o artigo 1.879 [1] do Código Civil?

As decisões judiciais sobre o tema oscilam, apesar de sinalizarem uma tendência a flexibilizar a obrigatoriedade de três testemunhas ou a necessidade de leitura do documento na presença de todos, desde que presentes outros elementos que atestem que o documento exprime a real vontade do testador e que ele estava lúcido (o que somente será valorado no momento da aprovação judicial do testamento, após o óbito do testador). [2]

Ainda que o testamento particular seja a única opção viável diante da suspensão do atendimento presencial pelos cartórios, é necessário lembrar que sua futura aprovação judicial pode ser dificultada caso não seja elaborado com critério.

Logo, o momento é de cautela: a situação “excepcional” de isolamento social deve constar de forma expressa no testamento e, sempre que possível, a assinatura do documento deve ser realizada pelas testemunhas, ainda que de forma não presencial. A tecnologia disponível oferece muitas alternativas, como a leitura do documento a todos por chamada de vídeo.

[1] Artigo 1.879. Em circunstâncias excepcionais declaradas na cédula, o testamento particular de próprio punho e assinado pelo testador, sem testemunhas, poderá ser confirmado, a critério do juiz.

[2] Vide as decisões do Superior Tribunal de Justiça nos seguintes recursos: REsp 1432291/SP; REsp 1583314/MG; REsp 1677931/MG; AgRg no AREsp 773835/SP

Marina Pelegrini Oliveira é advogada especialista em Direito das Sucessões e consultora do escritório Chenut Oliveira Santiago Advogados.

Notícias Relacionadas

Opinião

Mercado imobiliário deve se adaptar para cumprir LGPD

Novo cenário exige adaptações em minutas de contratos

Opinião

Acordo de não persecução penal e crime ambiental

Medida reforça o uso da consensualidade na busca por um processo mais eficiente