Opinião

Decisão inédita do STJ afasta multa dupla por sonegação fiscal em importação

Prevaleceu a tese de que o consumo de mercadorias irregulares e o subfaturamento da importação nada mais representam do que duas condutas que geram um único resultado

24 de agosto de 2022

Marcelo Camargo / Agência Brasil

Por Sávio Nascimento da Silva e Guilherme Saraiva Grava*

A 2ª Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) decidiu, por unanimidade, no dia 4 de agosto de 2022, afastar a “dupla multa” tributária em caso envolvendo sonegação fiscal em importação de produtos.

O litígio envolveu uma empresa do ramo de persianas que, entre os anos de 2004 e 2009, teria realizado quase 200 importações da China, sendo grande parte delas alegadamente subfaturadas.

Em razão disso, no entendimento da Receita, os valores aduaneiros teriam sido declarados com preços inferiores aos efetivamente praticados na operação, gerando prejuízos à arrecadação do Imposto de Importação, IPI, PIS e Cofins-Importação.

Ao ser autuada, a empresa foi sancionada com a aplicação de três multas distintas, todas elas pelo mesmo suposto ato de fraude.

A primeira multa, de 100% sobre o valor aduaneiro, se deu em razão da entrada irregular das mercadorias no País. A segunda multa, também de 100%, foi aplicada sobre o valor da venda, a título de pena de perdimento. Adicionalmente foi aplicada uma multa de 150% pela fraude na operação.

Ao se deparar com o caso, o Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf) já havia decidido afastar a primeira multa de 100%, alegando que sua incidência implicaria dupla penalidade.

O TRF-4 afastou a aplicação da multa por entender que, nas condutas praticadas, não caberia a aplicação de pena de perdimento, tampouco a conversão desta em multa. Foi o que destacou a 2ª Turma no acórdão.

O caso, então, foi para o STJ, mas o apelo da União foi rejeitado, sendo corroboradas as teses anteriores a respeito do caráter abusivo das penas.

O relator do caso, ministro Herman Benjamin, da 2ª Turma, havia, no início, concordado com os fundamentos do Fisco sustentando que haveriam no caso duas condutas específicas e distintas, sendo elas a importação irregular das mercadorias e a comercialização e consumação dessas mercadorias decorrentes de importação fraudulenta.

No entanto, prevaleceu a posição do ministro Mauro Campbell, que trabalhou em seu voto a aplicação, por analogia, do fenômeno da “consunção”, tipicamente associado à dosimetria de penas no âmbito do Direito Penal.

Para o ministro Campbell, o consumo de mercadorias irregulares e o subfaturamento da importação nada mais representam do que duas condutas que geram um único resultado. Sendo o fim pretendido um só, não estaria justificada a aplicação de duas sanções diferentes.

Cabe mencionar que a única multa que restou viva nessa relação foi a de 150%, com sua previsão no art. 44, §1º, da Lei nº 9.430/96. A multa, nos casos de lançamento de ofício, é de 75% sobre a totalidade ou diferença de imposto na falta de pagamento. Todavia, conforme afirma o §1º do referido artigo, a multa é dobrada se o fato ocorrer mediante fraude, como é o caso da empresa que sonegou impostos devidos na importação.

O caso merece uma atenção maior, pois pode ser a porta de entrada para precedentes em discussões desse tema, e, inclusive, no que tange a aplicação da multa de ofício e multa isolada em casos de compensações não homologadas, que também já foi objeto de discussão no STF.

*Sávio Nascimento da Silva é associado e Guilherme Saraiva Grava é sócio Tributário no escritório Diamantino Advogados Associados

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