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Proibição de atenuante em feminicídio gera divergências

Advogados analisaram o Projeto de Lei 2.325/2021, aprovado pelo Senado

12 de julho de 2022

Foto: Freepik

A aprovação pelo Senado do Projeto de Lei 2.325/2021, que proíbe o uso da tese de legítima defesa da honra como fundamento para a absolvição de acusados de feminicídio, gerou divergências entre advogados criminalistas ouvidos pelo Estadão. A proposta também veta a aplicação de atenuantes em casos de feminicídios e violência doméstica.

Juliana Bignardi Tempestini, advogada criminalista do Bialski Advogados, diz que “o acerto desta futura mudança legislativa é incontestável e merece aplauso da comunidade jurídica, em especial na atualidade, quando se busca, por diversos meios, inclusive pela recente edição de leis, combater a violência de gênero contra a mulher”.

Para ela, “esta nova medida não só é necessária, como fundamental, justamente para a garantia dos direitos individuais e da defesa aos valores e princípios assegurados por nossa Constituição Federal, como os princípios da dignidade, da igualdade, da vida e da proibição à discriminação”.

A advogada lembra que o novo projeto de lei aprovado pelo Senado na quarta-feira (6) caminha de acordo com o entendimento jurisprudencial do Supremo Tribunal Federal (STF), que, em decisão de março de 2021, considerou inconstitucional a tese da legítima defesa da honra no cenário do feminicídio, prestigiando o princípio constitucional da dignidade da pessoa humana. “O uso de tal tese para justificar o injustificável perpetua uma crença estruturalmente machista, de herança histórica, que considera a mulher como inferior em direitos e mera propriedade do homem”, afirma ela ao elogiar o projeto de lei.

Porém o advogado criminalista Daniel Gerber, especialista em Direito Penal Econômico e mestre em Ciências Criminais, sócio de Daniel Gerber Advogados, entende que o Senado não poderia em hipótese alguma aprovar uma lei que restringe um mandamento, uma garantia constitucional. “Na Constituição, há a plenitude de defesa para o Tribunal do Júri, que é algo muito maior do que a ampla defesa vigente nos demais ritos. Então, ainda que eu concorde com o teor, com o mérito da questão posta, o fato é que essa restrição é absolutamente ilegal”, critica.

O advogado criminalista Rodrigo Faucz, pós-doutor em Direito (UFPR), coordenador da pós-graduação em Tribunal do Júri do Curso CEI, professor de Processo Penal da FAE e do programa de mestrado em Psicologia Forense da UTP, avalia que o projeto de lei “surfa na onda eleitoreira do punitivismo”, como se o aumento de pena e o recrudescimento da legislação tivessem alguma relação com a prevenção de crimes. “Comprovadamente não existe qualquer relação. Em matéria penal, infelizmente, o legislador há anos escolhe o caminho mais popular, mas absolutamente ineficaz. É mais fácil aumentar a punição do que desenvolver políticas públicas afirmativas estruturais de conscientização e igualdade de gênero”, analisa.

Sócio fundador do Damiani Sociedade de Advogados, o criminalista André Damiani diz que o projeto de lei agora aprovado reitera posição adotada pelo STF. “Os ministros à época decidiram, por unanimidade, que a tese de legítima defesa da honra não pode ser aplicada em julgamentos nos tribunais do júri como argumento de defesa em casos de feminicídio. Segundo os ministros, a tese não tem base jurídica e viola garantias fundamentais, como os princípios da dignidade da pessoa humana, da proteção à vida e da igualdade de gênero. Caso aprovado, o texto trará maior segurança jurídica, uma vez que transformará em lei um entendimento jurisprudencial”, afirma.

Tese de legítima defesa da honra era arcaica e misógina

Lucie Antabi, criminalista no Damiani Sociedade de Advogados, complementa: “Apesar das contra argumentações de que no rito especial do Tribunal do Júri deva prevalecer a plenitude de defesa, não há como permitir a utilização de uma tese arcaica e misógina. O projeto de lei é mais um passo no caminho da igualdade de gênero, de uma sociedade justa que efetivamente defenda o direito à vida”.

Para Cecilia Mello, sócia do escritório Cecilia Mello Advogados e desembargadora aposentada do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, “no ponto da vedação de utilização da legítima defesa da honra, é bom que se frise que essa tese foi uma construção jurisprudencial, inserida em um contexto social permissivo de violência contra a mulher, em que a ‘dignidade machista do homem’ serviu de valor moral de grandeza tal que, quando afrontado, chegava a justificar a morte da ‘ofensora’, no caso a mulher”.

Segundo ela, “elevou-se essa ‘honra machista’ ao patamar de bem jurídico protegido pelo Direito em contraposição à vida da mulher, como se ambos pudessem ser colocados no mesmo patamar de importância. Pior, como se a ‘honra machista’ pudesse se sobrepor à vida da mulher”.

Cecília considera que a legítima defesa da honra é “nefasta, anacrônica e representa afronta ao direito à vida”. De acordo com ela, “a segurança jurídica – tão almejada nessa matéria – somente poderá ser atingida com o seu regramento por lei”. E faz um alerta: “A vedação legal de utilização da aviltante tese de ‘legítima defesa da honra’ é, sem dúvida alguma, medida de extrema relevância social e jurídica, mas não impede, por si só, que um corpo de jurados, em uma sociedade estruturalmente machista, prossiga conferindo impunidade aos casos de feminicídios”.

André Galvão, advogado criminalista, diz que o projeto é bem menos amplo que a medida cautelar concedida, por unanimidade, pelo STF nos autos da ADPF 779. “Com relação às alterações no Código Penal, o projeto se limita a afastar a aplicação da atenuante relacionada ao cometimento de crime por motivo de relevante valor social ou moral quando se tratar de crime de violência doméstica e familiar, bem como a aplicação da redução de pena em caso de feminicídio cometido por pessoa dominada por violenta emoção. O Supremo, por sua vez, deu ‘interpretação conforme’ aos artigos 23, II e 25, caput e parágrafo único, excluindo a legítima defesa da honra do âmbito do instituto da legítima defesa”, explica.

Foto: Freepik

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