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Casos vão de uma Corte para outra

Polêmica está em decisões recentes da ministra Maria Thereza de Assis Moura e do ministro Og Fernandes

20 de dezembro de 2022

Fonte: Valor Econômico

Decisões da presidência do STJ têm chamado a atenção de advogados – e causado polêmica entre esses profissionais – por citar um ofício emitido pelo STF. O documento trata sobre o envio de processos de uma Corte para a outra.

Recomenda que casos julgados com efeito vinculante – os chamados “repetitivos” do STJ – sejam remetidos para análise do STF mesmo que se vislumbre questão infraconstitucional, o que, em regra, se esgotaria no próprio STJ. O STF analisa somente discussões constitucionais.

Há menção a esse ofício em pelo menos duas decisões recentes. Uma está assinada pela presidente da Corte, a ministra Maria Thereza de Assis Moura, e a outra pelo vice-presidente, o ministro Og Fernandes.

Eles aceitaram pedido das partes para remeter os casos para julgamento no STF com base na recomendação que consta no ofício. As duas decisões estão redigidas da mesma forma.

“O STF, por meio de ofício encaminhado a todos os tribunais, recomendou que, nos feitos representativos de controvérsia, ainda que se vislumbre questão infraconstitucional, o recurso extraordinário seja admitido de forma a permitir o pronunciamento da Suprema Corte sobre a existência, ou não, de matéria constitucional no caso e, eventualmente, de repercussão geral”, dizem.

Mas a decisão assinada pelo ministro Og Fernandes tem chamado mais a atenção dos advogados. É que ele revogou uma decisão anterior, do mês de agosto, que havia sido proferida pelo ministro Jorge Mussi, então vice-presidente da Corte.

Mussi rejeitou pedido de envio do caso ao STF por considerar que havia apenas matéria infraconstitucional envolvida, sem fazer qualquer menção ao ofício da Suprema Corte.

Trata-se, nesse caso, de uma das principais discussões sobre a cobrança de ITBI. Envolve a base de cálculo do imposto cobrado pelos municípios quando há compra ou transferência de imóveis.

Uma decisão proferida no mês de março pela 1ª Seção determinou que o ITBI deve ter como base o valor da transação declarado pelo contribuinte. Esse modelo é diferente do adotado pelas prefeituras e pode ser mais vantajoso para o contribuinte.

Os municípios costumam usar como base para as cobranças um valor venal de referência. Varia de município para município, mas, geralmente, a base de cálculo parte dos valores de IPTU e é complementada com informações do mercado: transações imobiliárias informadas pelos contribuintes e convênios com empresas especializadas.

Por causa da possível diferença entre os valores fixados pelos municípios e o preço negociado pelo contribuinte, há discussão – e uma proliferação de ações desde a decisão da 1ª Seção. Quem adquiriu imóveis nos últimos cinco anos tenta receber de volta os valores pagos “a mais” com juros e correção.

A decisão de enviar o tema para julgamento no Supremo, agora, dá uma sobrevida às prefeituras. O pedido de encaminhamento, que foi feito ao ministro Og Fernandes, teve como autor o município de São Paulo, que é parte no processo em questão (REsp 1937821).

O outro caso, remetido ao STF por decisão da ministra Maria Thereza, a presidente do STJ, trata sobre honorários de sucumbência – pagos pela parte que perdeu aos advogados da vencedora. A discussão envolve pagamentos feitos pela Fazenda Pública.

A Corte Especial do STJ julgou o tema em caráter repetitivo, em março, e decidiu contra a aplicação do método de equidade em causas de valor elevado. Essa decisão é considerada como uma grande vitória da advocacia.

É que apesar de o Código de Processo Civil (CPC) prever uma tabela com os percentuais que devem ser aplicados nas disputas, no dia a dia o que se via eram condenações muito inferiores nos casos em que a Fazenda era derrotada.

Os juízes costumavam utilizar, por analogia, um outro dispositivo do CPC: parágrafo 8º do artigo 85. Consta que “nas causas em que for inestimável ou irrisório o proveito econômico ou, ainda, quando o valor da causa for muito baixo, o juiz fixará o valor dos honorários por apreciação equitativa”.

Apesar de o texto tratar de valores baixos, os juízes, em geral, interpretavam que esse dispositivo também servia aos casos que consideram como de valor excessivo. Eles se valiam dos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade.

A Corte Especial do STJ, no entanto, considerou que o parágrafo 8º é literal e não permite interpretação extensiva. Esse tema foi julgado em março. Em novembro, a ministra Maria Thereza aceitou pedido da Fazenda do Estado de São Paulo – parte no processo – e enviou o caso ao STF (REsp 1850512).

“O STJ se coloca em um papel secundário ao admitir o processamento de recurso extraordinário em caso decidido em sede de recurso representativo da controvérsia em matéria processual de caráter infraconstitucional”, critica Graziele Pereira, sócia do Greco, Canedo e Costa Advogados.

Há preocupação entre os profissionais da advocacia de que a recomendação do STF se torne uma obrigação no STJ e todos os casos julgados em repetitivo passem a ser remetidos quase que automaticamente.

Essa situação, se confirmar, dizem, pode gerar instabilidade e enfraquecer o sistema de precedentes. “Inova a regra processual e constitucional”, afirma Gabriel Neder de Donato, do Peixoto & Cury Advogados.

Sócio-fundador do VBD Advogados, Rodrigo Antonio Dias complementa que a competência do STF está prescrita no artigo 102 da Constituição. “E não há qualquer espaço para interpretar se cabe rever decisões do STJ de feitos representativos de controvérsia quando é evidente que se trata de questão infraconstitucional.”

O STJ informa, em nota, que a recomendação não é nova. Trata-se de ofícios circulares enviados a todos os tribunais em abril e novembro de 2020. “A orientação se dá no sentido do fortalecer o sistema de precedentes, que empresta celeridade à Justiça e maximiza o postulado constitucional da segurança jurídica”, diz.

Consta, ainda, que mesmo antes dos ofícios a Corte já vinha contribuindo para agilizar a prestação jurisdicional. “É favorável para o sistema de precedentes que o STF aprecie, e logo, casos polêmicos e de grande repercussão, quando não houver elementos suficientes para concluir pela completa ausência de debate constitucional.”

O STF também foi procurado pelo Valor, mas não quis se pronunciar. Interlocutores afirmaram à reportagem, no entanto, que a recomendação partiu da área técnica do tribunal, que cuida da gestão de precedentes, para garantir previsibilidade. Frisaram, além disso, que há vários caminhos para que os temas cheguem ao Supremo, não somente por meio do STJ.

 

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