Opinião

LC 194/2022: aspectos gerais da redução de tributos sobre itens essenciais

Questões envolvendo o ICMS nem sempre são tão simples como parecem

31 de agosto de 2022

Por Isabela Cristina Berger*

Artigo publicado originalmente na ConJur

O Imposto sobre Operações relativas à Circulação de Mercadorias e sobre Prestações de Serviços de Transporte Interestadual e Intermunicipal e de Comunicação (ICMS) [1] é um tributo estadual que — dada sua complexidade e relevância na arrecadação, em face do impacto no bolso dos contribuintes —  há anos é alvo de inúmeras discussões e questionamentos.

O fato é que desde a sua matriz constitucional, o ICMS possui alguns critérios para a incidência tributária, dentre os quais está a chamada “seletividade”.

Embora não seja descrita como obrigação aos estados, a seletividade serve para orientar a cobrança do ICMS com base em alíquotas menores para os produtos e serviços considerados como essenciais, reduzindo, com isso, o impacto tributário destes, em comparação aos produtos e serviços considerados supérfluos. Com base neste cenário, foi proferido o julgamento pelo Supremo Tribunal Federal, no Tema 745/STF.

Deste modo, retomando situação pendente de julgamento desde 2014, a Corte Suprema considerou inconstitucional a legislação do estado de Santa Catarina ao exigir o ICMS pelo importe de 25%, face a exigência para produtos gerais em 17% que “não se ateve a evolução econômico-social para efeito do dimensionamento do ICMS“, deixando de realizar a modificação de alíquotas para itens essenciais.

Na oportunidade, expressamente, o STF reconheceu que a energia elétrica é item essencial, não podendo, em razão disso, ser onerada com a alíquota do ICMS em percentual superior àquela aplicada as operações gerais.

Para possibilitar a adequação da questão aos estados em geral, os efeitos da decisão foram fixados para o exercício financeiro de 2024. Logo, até 2023 os estados poderiam manter a cobrança do ICMS nos moldes previstos em suas respectivas legislações, devendo atender a essencialidade a partir de então para que não mais houvesse a cobrança do ICMS sobre energia elétrica em valor superior à forma de cobrança para os itens gerais.

Outra situação com impacto na tributação do ICMS sobre a energia elétrica condiz com a famigerada incidência tributária sobre as tarifas de transmissão e distribuição de energia (Tusd/Tust), pendente de julgamento pelo Superior Tribunal de Justiça desde 2017 (Tema 986/STJ).

Ocorre que, recentemente, fato que acabou surpreendendo os estados em geral foi a publicação da Lei Complementar nº 194/2022. Após a publicação da Lei Complementar nº 192/2022, que tratou de reduzir os encargos tributários sobre os combustíveis em razão das questões econômicas e que ocasionaram o excessivo aumento impactando a população em geral [2], veio a Lei Complementar nº 194/2022 para finalmente regulamentar, em aspecto amplo, o critério da essencialidade para fins de incidência do ICMS e ao mesmo tempo, reforçar situações de não incidência do tributo.

Em linhas gerais, a Lei Complementar nº 194/2022, estabeleceu o seguinte:

  • Para fins de incidência do ICMS, os combustíveis, gás natural, energia elétrica, comunicações e o transporte coletivo são bens e serviços essenciais e indispensáveis que não podem ser tratados como supérfluos.
  • Para os bens e serviços essenciais acima indicados, não pode haver a fixação de alíquota em patamar superior às alíquotas das operações gerais;
  • Não incide ICMS sobre operações que decorra a transferência de bens móveis salvados de sinistro para companhias seguradoras;
  • Não incide ICMS sobre serviços de transmissão e distribuição de encargos setoriais vinculados às operações com energia elétrica (Tusd/Tust);
  • Formas de compensação pela União, das perdas de arrecadação dos estados ou do Distrito Federal no exercício de 2022 decorrentes da redução do ICMS em relação a arrecadação em 2021.

Destaca-se, com isso, que foi reforçado o precedente firmado no julgamento do Tema 745/STF. Assim, no intuito regulatório, houve a fixação de liames para o critério da essencialidade, impossibilitando os estados de cobrar o ICMS sobre combustíveis, gás natural, energia elétrica, comunicações e o transporte coletivo com base em alíquotas superiores àquelas fixadas para os itens gerais/residuais.

Contudo, na contramão do período de adequação determinado pela Corte Suprema (2024), já deve ser aplicada a alíquota geral do ICMS para combustíveis, gás natural, energia elétrica, comunicações e o transporte coletivo — ao menos enquanto não há adequações no sentido de observar especificamente a questão da essencialidade.

No mesmo sentido, foi reforçada a pretensão dos contribuintes quanto a impossibilidade de incidência do ICMS sobre Tust e Tusd, cujo julgamento pelo Superior Tribunal de Justiça ainda deve ocorrer na apreciação do tema 986/STJ diante da necessária análise dos efeitos pretéritos para compensação/restituição de pagamentos indevidos.

Ocorre que, ao serem surpreendidos com a abrupta publicação da Lei Complementar nº 194/2022, diversos estados insurgiram-se ao Supremo Tribunal Federal alegando, em resumo, que teria ocorrido indevida intervenção na União em matéria tributária de competência deles, tendente a gerar prejuízo na arrecadação e via de consequência na realização e serviços essenciais à população, tal como é o caso da saúde pública, transporte e da educação [3].

Assim, até o momento já houve acordo para a inclusão do total das perdas de arrecadação de ICMS na composição de saldo a ser deduzido pela União Federal; desconto de parcelas de dívidas refinanciadas pela União aos Estados; compensação por meio da apropriação pelos estados sobre a parcela da União relativa à compensação financeira pela exploração de recursos minerais (Cefem), entre outras situações que ainda estão sendo objeto de análises [4].

Portanto, ainda que a mencionada derrubada dos vetos presidenciais pareça ser uma simples questão de natureza orçamentária, acaba gerando de modo indireto, impacto positivo à população, pois, dentre outras situações, tende a fortalecer a realização de medidas estaduais para o fim de reduzir as alíquotas de ICMS sobre os bens e serviços considerados essenciais (os combustíveis, gás natural, energia elétrica, comunicações e o transporte coletivo), sem resistências e não apenas pela manutenção das alíquotas gerais.

Em resumo, pode-se concluir que a Lei Complementar nº 194/2022 veio, de fato, para beneficiar os contribuintes em geral, sendo publicada em razão do contexto econômico-jurídico atual, que confirma pretensões há anos formuladas pelos contribuintes.

Contudo, conforme exposto inicialmente, toda e qualquer questão envolvendo o ICMS nem sempre é tão simples como parece, de modo que é preciso continuar observando as novidades advindas das discussões e impactos daí decorrentes.

__________________


[1] Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação.

[2] Em resumo, a Lei Complementar definiu a tributação única do ICMS incidente nas operações com combustíveis e lubrificante (ficando sujeita a alíquotas uniformes, a serem ajustadas em convênio) e zerando as alíquotas do PIS-Cofins, bem como possibilitando a aferição de crédito em algumas situações

[3] https://portal.stf.jus.br/noticias/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=489769&ori=1

[4] https://www12.senado.leg.br/noticias/materias/2022/07/14/congresso-derruba-partes-do-veto-que-impede-compensacao-do-icms-a-estados

https://www.congressonacional.leg.br/materias/vetos/-/veto/detalhe/15273#

*Isabela Cristina Berger é advogada, especialista em Direito Tributário e integrante do núcleo tributário estratégico do Nelson Wilians Advogados-PR.

 

Notícias Relacionadas

Opinião

Dinheiro em espécie: por que falar em algo que dizem estar fadado ao sumiço

Cédulas ainda são necessárias por uma questão cultural, conjuntural e de acesso

Opinião

O Marco Legal do Saneamento e a importância do ESG

Lei traz um ambiente de maior segurança jurídica para o investidor