Notícias

Portaria do governo que libera trabalhadores da vacina é inconstitucional

Para especialistas, direito individual não se sobrepõe à garantia de saúde da coletividade

3 de novembro de 2021

Foto: Secretaria Municipal de Saúde de SP

É ilegal a portaria do Ministério do Trabalho e Previdência que proíbe empresas de exigir dos funcionários comprovantes de vacinação contra a Covid-19 e demiti-los caso se recusem à imunização. Especialistas em Direito do Trabalho veem a medida como inconstitucional e contrária às decisões mais recentes da Justiça brasileira.

A portaria considera discriminatória a exigência do comprovante de vacinação para a contratação de funcionários ou manutenção do vínculo empregatício. Para o governo Bolsonaro, a prática viola a Consolidação das Leis Trabalhistas (CLT), além de vários artigos da Constituição Federal, dentre eles o 5°, pois nenhum cidadão ou trabalhador deve ser obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei.

Advogados ouvidos pela ConJur, entretanto, discordam. Avaliam que a saúde da coletividade se sobrepõe ao direito individual de optar por tomar ou não a vacina contra a Covid-19.

Para Luis Fernando Riskalla, especialista em Direito do Trabalho e sócio do Leite, Tosto e Barros Advogados,  a portaria do ministério afronta a Constituição, especialmente porque impede os empregadores de constatar a plena vacinação daqueles que pretendem contratar ou daqueles que pretendem manter a relação contratual já existente.

“As fundamentações para a edição da referida portaria se contradizem ao verificamos que o inciso XXII, do artigo 7, da Constituição, garante aos empregados a segurança e saúde em suas atividades empregatícias. Além disso, já se tornou quase que unânime, perante os tribunais do trabalho, perante o Ministério Público do Trabalho e perante o próprio Tribunal Superior do Trabalho, que a saúde e segurança da coletividade se sobrepõem à do indivíduo”, avalia.

“Assim, e considerando a eficácia da referida portaria, questiona-se: como poderão os empregadores, além das ações que já lhes competem, garantir a saúde e integridade de seus empregados se não podem, ao menos, ter o controle de quem está, de fato, imunizado?”, indaga.

Carlos Eduardo Dantas Costa, especialista em Direito do Trabalho e sócio do Peixoto & Cury Advogados, concorda. “A portaria vai na contramão das decisões judiciais e, inclusive, do posicionamento do Ministério Público do Trabalho.”

Para Donne Pisco, sócio fundador do Pisco & Rodrigues Advogados, a portaria nitidamente infringe o art. 87, inciso II, da Constituição Federal, pois um ministro de estado não tem competência para criar normas, apenas para instrumentalizar o cumprimento das leis de sua alçada. Segundo Pisco, Lorenzoni usurpa competência do Legislativo com a Portaria.

“O ato normativo do Ministério do Trabalho e Emprego não tem o efeito de vincular a livre apreciação do tema pelos juízes: a restrição imposta, que busca impedir a demissão por justa causa de pessoas que se recusem à vacinação, não tem fundamento legal — inclusive, porque a resistência imotivada à imunização atenta contra o esforço coletivo para a contenção da pandemia, pondo em risco a saúde da população”, defende.

Já de acordo com Mariana Machado Pedroso, especialista em Direito do Trabalho e sócia do escritório Chenut Oliveira Santiago Advogados, a portaria poderá “gerar uma movimentação que ainda não se tinha visto no Congresso Nacional a favor da regulação sobre a vacinação. E pela hierarquia das normas no Direito brasileiro, eventual lei estará hierarquicamente acima da portaria ministerial”.

Além disso, afirma, a portaria certamente será questionada no Judiciário, “quando serão avaliados os requisitos formais e limites possíveis de regulação de tal matéria por ato normativo do Executivo. A Justiça poderá invalidá-la ou, ainda, estando regular, declarar tal norma válida”.

Por sua vez, Paulo Woo Jin Lee, advogado trabalhista sócio de Chiarottino e Nicoletti Advogados, afirma que a nova norma é contrária ao entendimento dos tribunais, que aponta para a legalidade da exigência de comprovação de vacina pelos empregadores.

“Importante destacar que é obrigação dos empregadores e da sociedade garantir um ambiente de trabalho seguro, para evitar a propagação de doenças e a responsabilização das empresas por complicações decorrentes da Covid-19 adquirida durante a execução dos trabalhos presenciais”, pontua.

“Ademais, a portaria encontra-se eivada de fragrante inconstitucionalidade, uma vez que não pode criar direitos e sanção para empregadores que não observarem seus termos, razão pela qual extrapolou os limites impostos pela Constituição Federal.”

Matheus Gonçalves Amorim, sócio do SGMP Advogados, tem a mesma opinião. “As Portarias publicadas pelo Ministério do Trabalho, em que pese a sua relevância, tem efeito vinculante, em tese, apenas para o Poder Executivo, não vinculando a atuação da Justiça do Trabalho e do Ministério Público do Trabalho, quem têm apresentado posicionamento bastante distinto, que deve nortear os julgamentos desta matéria perante os Tribunais.”

Segundo ele, ainda é preciso levar em conta o aspecto prático da determinação do governo. “Não podemos ignorar que alguns órgãos públicos exigem o comprovante de vacinação para que qualquer pessoa possa ingressar nas suas instalações e há empresas que prestam serviços no mesmo local, o que tornaria impossível a própria execução dos contratos”, exemplifica.

Para a advogada Josiane Leonel Mariano, do Costa Tavares Paes Advogados, a Portaria não tem força de lei, além de contrariar a jurisprudência que vem se formando sobre o tema. “É bom lembrar que o STF já decidiu no sentido de que os estados e municípios podem legislar a respeito da necessidade de comprovação de vacinação para o trabalho presencial. De modo que, onde há legislação específica nem há que se cogitar sobre o conteúdo da Portaria 620. Entendimento contrário pode trazer sérios prejuízos as empresas, especialmente para aquelas da área da saúde.”

A advogada Cristina Buchignani, sócia da área trabalhista do Costa Tavares Paes Advogados, no entanto, ressalta que “a Súmula 443 do TST contempla o entendimento majoritário da Justiça do Trabalho acerca da dispensa discriminatória e o princípio da dignidade humana, de forma que, a questão deve ser analisada de acordo com as particularidades de cada caso”.

Foto: Secretaria Municipal de Saúde de SP

Notícias Relacionadas

Notícias

Decisão da ANS sobre plano de saúde gera dúvidas

Agência suspendeu reajustes, mas reembolso segue indefinido

Notícias

Ausência de prova de comunicação torna a renúncia ineficaz, diz STJ

Ministro apontou que rever decisão do TJ-SP exigiria o revolvimento de fatos e provas