Opinião

Reflexos da pandemia na recuperação judicial

Prorrogação do stay period ganha força em tempos de crise

1 de julho de 2020

Por Felipe Pacheco Borges*

Artigo publicado originalmente no Migalhas

A Recuperação Judicial, regida pela lei 11.101/05 e substituta da concordata, tem como escopo viabilizar a superação de crise do devedor, permitindo a continuidade da atividade desenvolvida e consequentemente mantendo empregos, fonte produtora e os interesses dos credores. O mecanismo é norteado, principalmente, pelos princípios da recuperação e preservação da empresa, função social e do estímulo à atividade econômica.

Em breve resumo, a Recuperação Judicial possui três fases bem delimitadas: postulatória, deliberativa e executória. Após a análise do cumprimento dos requisitos elencados no dispositivo legal, o Juiz defere o processamento da Recuperação Judicial dando início a uma segunda fase. Uma das consequências diretas dessa decisão é o chamado stay period, período de suspensão de todas as ações e execuções em face da recuperanda.

O lapso temporal de 180 (cento e oitenta dias) é um reflexo direto do princípio da preservação da empresa. O congelamento das ações e execuções constitui-se, de acordo com o Superior Tribunal de Justiça, como uma importante válvula de escape para que o devedor se concentre, com exclusividade, na formulação do plano de recuperação judicial adequado e passível de aceitação pelos credores.

A prorrogação desse período é um dos pontos de debate da LREF, uma vez que nos termos do §4º do artigo 6º da LFR, os 180 dias seriam improrrogáveis, o que denota um distanciamento entre a lei e a realidade fática. Isto porque o decurso do prazo de 180 (cento e oitenta dias) nem sempre é suficiente para a empresa avaliar e estudar a elaboração de um plano de recuperação viável ao seu próprio soerguimento e ao interesse dos credores.

Assim, com o intuito de efetivar o mecanismo da recuperação, os Tribunais têm se mostrado flexíveis quanto a prorrogação do período de stay. Em caráter excepcional, a flexibilização poderá ser admitida, segundo entendimento do Superior Tribunal de Justiça, desde que a dilação se faça por prazo determinado, bem como a recuperanda não tenha concorrido com a superação do lapso temporal. Este fato é primordial para a dilação do prazo, de modo a evitar qualquer tentativa do uso indevido da ferramenta pela recuperanda em benefício próprio.

O Brasil, desde fevereiro de 2020, vem experimentando os avanços e consequências da covid-19 em todo o território nacional. O fator superveniente, e que neste texto não merece maiores profundidades visto ser fato público e notório, traz ao debate a sua incursão no rol das causas excepcionais que dilatam o stay period. Isto porque diante da situação de emergência vivenciada pela maioria das sociedades empresárias, torna-se prejudicado o andamento da recuperação judicial, exemplo disso é a impossibilidade da votação do plano pelos credores devido a proibição de aglomeração de pessoas (exceto no caso das assembleias virtuais que hoje ainda são exceção).

Neste diapasão, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) aprovou, na 307ª Sessão Ordinária orientações no sentido de prorrogar os prazos de duração da suspensão chamada de stay period nos casos em que houver a necessidade de adiar a Assembleia Geral de Credores. Neste sentido, o juiz Tiago Henriques Papaterra Limongi, da 1ª Vara de Falência e Recuperação Judiciais de São Paulo autorizou a prorrogação do stay period de uma empresa de engenharia em razão da pandemia do coronavírus.

A empresa recorreu à Justiça argumentando que cumpriu regularmente os prazos processuais e que a pandemia da covid-19 impede, por ora, a convocação da assembleia-geral de credores para a votação do plano de recuperação judicial. Os argumentos foram acolhidos pelo juiz. Ao proferir sua decisão, o magistrado pontuou que:

“A prorrogação, neste aspecto, responde a uma necessidade de se garantir à recuperanda a possibilidade de que seu patrimônio não seja objeto de constrições até que haja possibilidade de segura votação do plano de recuperação judicial pelos credores. Necessário, contudo, que a AGC se realize tão logo haja o levantamento das medidas que por ora impedem a realização de eventos que impliquem aglomeração de pessoas.”

Contudo, é importante salientar que apesar da prorrogação do stay period ser justificada por fato superveniente, o magistrado manteve o entendimento consolidado do STJ, no sentido de conferir prazo determinado para a dilação concedida, bem como averiguar se a recuperando contribuiu ou não para o retardamento da marcha processual.

*Felipe Pacheco Borges é sócio institucional responsável pelas áreas de Contencioso Estratégico do escritório Nelson Wilians & Advogados Associados.

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