Opinião

PEC dos precatórios é inconstitucional e eleitoreira

União sempre tratou de inviabilizar o cumprimento de decisão proferida nos tribunais de 2ª instância

12 de agosto de 2021

Por José Roberto Cortez*

Artigo publicado originalmente na ConJur

Nos últimos dias noticiou-se que o governo federal pretende alterar, por meio de uma proposta de emenda constitucional (PEC), a forma de pagamento dos precatórios — no caso, valores devidos pela União a instituições e pessoas reconhecidas como tais por meio de sentença judicial definitiva. Se tal reforma for aprovada o Tesouro Nacional só pagará à vista os créditos até R$ 66 mil — teto que atinge sobretudo pessoas físicas; acima desse montante, o pagamento se dará ao longo de dez longos anos. Uma eternidade para aquele que lutou por 20 anos ou mais até obter a dita sentença irrecorrível determinando ao governo que pague, sem mais discussões.

A verdade é que a União, desde sempre, por meio de recursos absolutamente procrastinatórios, tratou de inviabilizar o cumprimento da decisão sobre a matéria de fato e direito proferida nos tribunais de segunda instância. Por essa razão, feitos ordinatórios de pagamento tramitam no Superior Tribunal de Justiça há mais de 20 anos. Claro está que isso não foi sem custo e preço, porque, além do custo operacional para manter tais pagamentos sub judice, ainda há o preço do acréscimo de juros e correção monetária. Exatamente por essa razão, hoje os precatórios do governo federal representam valores bilionários.

Frente a esse quadro, pretende a União, e certamente logrará, por razões de todos sabidas, aprovar pagamento “imediato” para os débitos de pequeno valor, atendendo, dessa forma, a grande contingente de credores pessoas físicas, possíveis eleitores. Quanto aos débitos de valor mais expressivo, propõe carnê de pagamentos, que muito provavelmente será descumprido pela criação de novos programas de liquidação. Vide os precatórios estaduais, que já devem estar na quarta renegociação.

De outra parte, as pretendidas modificações na forma de pagamento dos precatórios, se aprovadas, implicariam expressa revogação às disposições do artigo 100 da Constituição Federal como um todo, notadamente o que estabelece o parágrafo 5º.

Mas assim não precisa ser, visto que o precatório é ordem de pagamento emanada pelo Poder Judiciário. Nessa condição, deveria ter o mesmo tratamento dado à indenização desapropriatória. Ou seja, sua quitação se daria por meio da emissão de títulos da dívida pública resgatáveis em dez anos, acrescidos de juros legais e correção.

A emissão de títulos da dívida pública é legalmente possível porque a ordem de pagamento emitida pelo Judiciário não se enquadra juridicamente no teto de gastos, por ser despesa não ordinária, mas excepcional.

Por fim, a emissão de títulos da dívida pública acabaria com a triste e vergonhosa figura do precatório, instituto jurídico somente existente no Judiciário do Brasil. Aliás, que se presta apenas para “circular”, como bitcoin à brasileira, enriquecendo players do mercado financeiro que especulam com esses papeis e, em contrapartida, empobrecendo credores.

Por essa razão, penso que se for para fazer qualquer sorte de reforma no que se refere à sistemática de pagamento das dívidas da União para com os seus credores, essa pretendida é absolutamente impertinente e indesejada.

José Roberto Cortez é especialista em Direito Empresarial e sócio fundador do escritório Cortez Advogados.

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