Notícias

Convenção 58 da OIT: a dispensa sem justa causa não acabou

Desinformação sobre a lei trouxe alarde aos empregadores

24 de fevereiro de 2023

Foto: Arquivo/Agência Brasil

Por Melina de Pieri Simão e Letícia Vitória Guimarães Norberto*

É sabido que está em alta a preocupação quanto à proibição da justa causa pelo STF (Supremo Tribunal Federal). Este foi um dos temas mais discutidos nas redes sociais nas últimas semanas, provocando imediatas reações angustiantes, especialmente em empresários.

Toda a discussão surge em virtude do julgamento da ADI/1625 (Ação Direta de Inconstitucionalidade), que prevê a revogação do então decreto presidencial de Fernando Henrique Cardoso (2.100/1996), o qual vetou a aplicação da Convenção da OIT (Organização Internacional do Trabalho) no Brasil.

Esta convenção foi criada na 68º Conferência Internacional do Trabalho na cidade de Genebra em 1982. Em matéria de Direito Internacional do Trabalho, a OIT possui função central perante a ONU (Organização das Nações Unidas), que tem por finalidade estabelecer princípios e regras internacionais. Essa agência possui legitimidade para editar tratados internacionais, denominados convenções, que podem ser sancionadas ou não pelo Estado-membro que compõe a organização.

Dentre todas as propostas realizadas nesta convenção, está a proibição de demissões injustificadas. Em um primeiro momento, há o susto de pensarmos que, então, somente seria possível o desligamento de um colaborador mediante justa causa, cuja modalidade prevê condições específicas para que ocorra o desligamento do funcionário, que dar-se-á através de uma causa relacionada a comportamento ou capacidade, baseado nas necessidades de funcionamento da empresa ou similar.

Ocorre que, ao contrário do que sugerem manchetes e comentários sensacionalistas que veiculam nas mídias, não estamos diante de cenário em que apenas a dispensa por justa causa seja possível.

Ainda será viável a dispensa sem justo motivo, por se tratar de direito do empregador, mas essa poderá passar por sutil mudança. A dispensa que não for realizada por justa causa, ou seja, que estiver fora das hipóteses do artigo 482 da CLT, deverá ser ao menos justificada (leia-se: explicada) ao trabalhador, a fim de corroborar com a proteção do empregado nesta modalidade, por dispensa imotivada. Desse modo, a convenção não veta a dispensa sem justa causa, mas sim coloca algumas condições para que ela ocorra.

A previsão para tal ato se encontra no Artigo 4º da Convenção nº 58 da OIT, que prevê:

Art. 4 — Não se dará término à relação de trabalho de um trabalhador a menos que exista para isso uma causa justificada relacionada com sua capacidade ou seu comportamento ou baseada nas necessidades de funcionamento da empresa, estabelecimento ou serviço.

Com a propagação de informações acerca do tema, houve certa agitação pela internet, onde é dito e interpretado, sem aprofundamento, que a Convenção 158 da OIT proíbe, de forma absoluta, a dispensa sem justa causa ou concede estabilidade ao empregado, o que de fato não prospera, pois a liberdade de iniciar e terminar relações jurídicas constitui base de qualquer contrato, não encontrando base no Estado de Direito a imposição do perpetuamento de contratos privados.

O objetivo do artigo supracitado é a justificação para a rescisão de um contrato de trabalho por iniciativa do empregador, a fim de que o trabalhador tenha ao menos ciência do porquê de seu desligamento.

O regime de proteção contra dispensas imotivadas, amparado pelo Artigo 7º inciso I da Constituição Federal, não pode ser confundido com a proibição da aplicação de dispensa sem justa causa, pois a justa causa tem por exigência condutas previstas legalmente, o que configura a extinção do contrato de trabalho. No caso de dispensa sem motivação, o desligamento pode ocorrer por motivos econômicos e administrativos, não sendo meramente por uma conduta ilegal ou que configure falta grave suficiente para romper a esperada confiança na relação de trabalho.

Se houver o julgamento da Convenção 58, com atenção ao artigo 4º, este poderá ser aplicado à rescisão do contrato de trabalho com as devidas justificativas, podendo versar sobre capacidade ou comportamento.

A desinformação, com a leitura rasa do artigo, de fato trouxe alarde aos empregadores, que ficaram temerosos com os efeitos negativos do ponto de vista econômico, imaginando que tal decisão poderia impactar seu negócio, podendo até ocorrer demissão em massa pelo medo de tal medida ser imposta. Entretanto, não se vislumbra a proibição de rescisão de trabalhos sem a justa causa, mas sim a pura e simples justificativa de determinada decisão.

Acontece que esta convenção foi revogada através de decreto, como mencionado em supra, pelo então Presidente da época, que não submeteu a decisão ao Congresso Nacional, e que possui legitimidade com base no Artigo 49, inciso I, da Constituição Federal, para alterar legislação que verse sobre atos e tratados internacionais.

Após essa decisão do então Presidente, houve ajuizamento através da ADI pela Central Única dos Trabalhadores (CUT) e a Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura (CONTAG) em 16/07/1997, a fim de declarar inconstitucional o decreto, por não ocorrer a submissão do Congresso Nacional na tomada de decisões que são de sua competência.

O julgamento perdura há mais de 25 anos, em virtude dos pedidos de vista que são realizados por Ministros, gerando a interrupção do prazo para julgamento da ação supracitada. Acontece que, em sessão administrativa realizada pelo STF, que ocorreu entre os dias 7 a 14 de dezembro de 2022, houve mudanças no regimento interno que limitou o pedido de vistas a 90 dias contados da data da publicação da ata de julgamento, o que contribui para a celeridade da justiça. Após o vencimento do prazo, os autos são automaticamente liberados para julgamento.

O último pedido de vista foi realizado pelo Ministro Gilmar Mendes, que, agora, após a sessão administrativa que estabeleceu prazos para o pedido de vista, foi liberado para julgamento. Presume-se que o julgamento do caso deva acontecer a partir de 22/03/2023, e que esse definirá se o decreto promulgado pelo Presidente Fernando Henrique Cardoso é inconstitucional, pois não foi remetido a quem possui legitimidade.

Quando nos deparamos com o alarde e propagação de desinformação acerca de determinados temas, contemplamos o quanto a disseminação de determinadas situações pode gerar atos desastrosos e imediatos.

Ao nos depararmos com dúvidas sobre determinados temas, o mais apropriado a se fazer é buscar a fonte primária e entender os termos e leis que versam sobre determinado assunto. No momento, devemos aguardar tal decisão e não deixar que o compartilhamento em massa de informações superficiais provoque sustos e condutas precipitadas.

*Melina de Pieri Simão é advogada Sênior especialista da área trabalhista do escritório Finocchio & Ustra Advogados.

*Letícia Vitória Guimarães Norberto é estagiária da área trabalhista do escritório Finocchio & Ustra Advogados.

Foto: Arquivo/Agência Brasil

Notícias Relacionadas

Notícias

STF mantém afastamento de Edinaldo Rodrigues do comando da CBF

Ministro André Mendonça não viu justificativa para concessão da liminar

Opinião

STJ e STF avançam em processo de cooperação

Cortes compartilham dados de peças processuais dos recursos encaminhados em meio eletrônico