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Cade de olho em ‘jabuti’ no projeto do Estatuto da Segurança Privada

Órgão alerta Senado e TCU sobre dispositivo que aumenta concentração no setor

19 de janeiro de 2021

Iano Andrade/Portal Brasil/Divulgação

O presidente do Conselho Administrativo de Defesa Econômica (CADE), Alexandre Barreto de Souza, encaminhou ao Senado Federal cópia do voto da conselheira Paula Farani de Azevedo Silveira, relatora do ato de concentração envolvendo a Prosegur e a Sacel (Serviços de Vigilância e Transporte de Valores) – empresas do setor de transporte de valores em Sergipe.

O julgamento ocorreu em 21 de dezembro de 2021, quando o órgão também aprovou por unanimidade a comunicação de sua decisão ao Tribunal de Contas da União (TCU), em resposta a ofício da corte que denunciara suspeitas de práticas anticompetitivas no segmento.

Em seu voto, Paula Farani faz o seguinte alerta: “O CADE tem expressado sua preocupação e discordância a respeito de dispositivos constantes do Substitutivo da Câmara dos Deputados nº 6, de 2016, ao Projeto de Lei do Senado nº 135, de 2010 (”SCD 6/2016”), que visam a vedar que instituições financeiras tenham participação no capital de empresas especializadas em segurança privada”.

Essa vedação, conforme a relatora, acarretaria efeitos anticoncorrenciais significativos, na medida em que restringiria a entrada de agentes no mercado, atenuando a rivalidade e gerando efeitos mais negativos do que positivos para a defesa da concorrência. “O objetivo de evitar a verticalização do setor de segurança privada com o setor financeiro tem sua relevância e espaço, mas o fato é que não se verifica que as instituições financeiras tenham percorrido esse caminho de maneira recorrente, despropositada ou abusiva.”

Controvérsia

 O projeto de lei, que tramita há uma década no Congresso Nacional, é cercado de uma grande polêmica. Durante a tramitação, um “jabuti” — um termo usado para ilustrar artigos incluídos em projetos de lei que favorecem interesses de grupos ou indivíduos específicos — foi inserido por empresas e entidades ligadas ao setor de transporte de valores. Um dos dispositivos incluídos proíbe que instituições financeiras tenham participação no capital de empresas de segurança privada. Essa manobra eliminaria uma concorrente do setor e manteria o monopólio de gigantes que atuam há décadas no país e abocanham 80% do mercado.

O senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP), relator do substitutivo na Comissão de Transparência, Governança, Fiscalização e Controle e Defesa do Consumidor (CTFC), optou por remover a proibição, com o argumento de que a regra reduziria as possibilidades de concorrência, além de prejudicar os consumidores. Para ele, o resultado prático da medida seria “promover um oligopólio”.

Em Audiência na Comissão de Assuntos Sociais (CAS) do Senado, que analisou o PL, Ruben Schechter – representante da Associação Brasileira de Transporte de Valores (ABTV) e da Federação Nacional das Empresas de Transporte de Valores (FENAVAL) – manifestou-se publicamente a favor da restrição anticompetitiva veiculada na proposição, o que demonstra que as entidades podem estar facilitando a coordenação entre os concorrentes para criar dificuldades a novos entrantes (inclusive, de empresas estrangeiras).

Diante do flagrante caráter anticompetitivo do dispositivo, o Cade tem se manifestado de maneira contrária à manutenção desse dispositivo no projeto de lei. Além da manifestação da conselheira Paula Farina, a Superintendência-Geral assinalou que a “aprovação e entrada em vigor do projeto pode eliminar um concorrente potencial relevante do mercado, o que afeta negativamente o cenário concorrencial do mercado de transporte e custódia de valores no Brasil”.

Histórico

Em 2018, a ex-conselheira do Cade Cristiane Alkmin, no julgamento do caso da compra da Rodoban pela Brink’s, apontou preocupações e indícios de práticas anticompetitivas no mercado de transporte de valores. Chegou, inclusive, a apontar a participação, nestas práticas, de entidades representativas do setor na formação de cartel. “Sugiro, assim, que a SG (Superintendência-Geral) investigue uma já existente possível colusão (cartel) neste setor, incluindo as empresas deste mercado, assim como a Associação Brasileira de Transporte de Valores (ABTV) e a Federação Nacional das Empresas de Transporte de Valores (FENAVAL)”, disse à época.

Major Olímpio faz lobby a favor de grandes transportadoras

O senador Major Olímpio (PSL-SP), árduo defensor das maiores empresas de transporte de valores do país, gravou um áudio na última semana de trabalhos no Congresso, em dezembro passado, convocando a Federação Brasileira de Bancos (Febraban) e representantes de empresas de transporte de valores e de segurança privada a convencerem Randolfe Rodrigues (Rede-AP) a alterar seu relatório para atender os interesses do setor.

No áudio, Olímpio deixa claro que já conta com o apoio da Febraban e da Federação Nacional das Empresas de Segurança e Transporte de Valores (Fenavist) em sua investida para convencer Randolfe a mudar seu voto.

O parlamentar afirma que a Fenavist lhe enviou um documento, já encaminhado ao relator, com as alterações que devem ser feitas no PL e que justificam a manutenção do dispositivo anticoncorrencial. Ele completa que aguarda da Febraban e das demais entidades interessadas uma formalização do acordo já feito para privilegiar as grandes transportadoras que dominam o mercado.

Entidades representativas do setor, como Fenaval, Fenavist e ABTV têm um longo histórico de ações que privilegiam os interesses das empresas que dominam o mercado, em detrimento dos grupos menores.

Empresas são investigadas por cartel

Acolhendo expressamente Representação da Procuradoria do Cade, a Superintendência-Geral do órgão decidiu, em 15 de dezembro de 2020, por instaurar Inquérito Administrativo e iniciar investigação contra as principais empresas do setor de transporte de valores e suas entidades representativas por possível afronta à Lei 12.529/2011, que dispõe sobre infrações da ordem econômica.

Prosegur, Protege, Brink’s, ABTV, Fenaval e Fenavist são, portanto, oficialmente investigadas por prática de infrações à ordem econômica. As três empresas respondem por 80% da participação no mercado nacional.

A decisão vem após representação inédita apresentada pela Procuradoria Federal Especializada (PFE) junto ao Conselho, solicitando a apuração. A Representação dispunha ser “necessária a intervenção da autoridade antitruste para evitar o dano que se mostra claro à sociedade brasileira”.

Acompanhe o processo no: https://bit.ly/3m39GrE

 

Foto: Iano Andrade/Portal Brasil/Divulgação

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