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Brasil renova medida que facilita refúgio para mulheres vítimas de mutilação genital

Decisão foi aprovada pelo Comitê Nacional para os Refugiados, vinculado ao Ministério da Justiça

O governo brasileiro prorrogou, na quinta-feira (24), por mais 24 meses, a vigência da nota técnica que orienta o reconhecimento prima facie de mulheres e meninas oriundas de países com alta prevalência de mutilação genital feminina (MGF) como refugiadas. A decisão foi aprovada pelo Comitê Nacional para os Refugiados (Conare), vinculado ao Ministério da Justiça e Segurança Pública, e reforça o entendimento da prática como grave violação de direitos humanos, permitindo a concessão de refúgio humanitário de forma mais célere. Adotada originalmente em 2023, a medida reafirma o compromisso do Brasil com a proteção de mulheres em situação de vulnerabilidade extrema.

Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), mais de 230 milhões de mulheres e meninas já foram submetidas à MGF em 30 países da África, Oriente Médio e Ásia, onde a prática ainda persiste. O impacto econômico global também é significativo: os custos relacionados ao tratamento das complicações causadas pela MGF somam cerca de US$ 1,4 bilhão anuais para os sistemas de saúde.

Reconhecida internacionalmente como uma grave violação dos direitos humanos, a MGF reflete desigualdades estruturais de gênero. Normalmente realizada em meninas menores de idade, a prática causa lesões permanentes, dor crônica, complicações no parto e traumas psicológicos severos, como depressão e transtorno de estresse pós-traumático. Em casos extremos, pode levar à morte.

Com a renovação da medida, o Brasil reafirma sua postura de acolhimento e proteção às mulheres migrantes em risco. De acordo com o Ministério da Justiça e Segurança Pública, centenas de pedidos de refúgio com essa justificativa já foram concedidos desde a adoção da nota técnica. A ação é resultado da articulação entre os ministérios da Justiça e Segurança Pública, das Mulheres, das Relações Exteriores e dos Direitos Humanos e da Cidadania.

Para a criminalista e desembargadora federal aposentada Cecilia Mello, sócia do escritório Cecilia Mello Advogados, a decisão brasileira tem impacto relevante não apenas para quem busca proteção, mas também para o fortalecimento do debate sobre os direitos das mulheres. “Ainda que a mutilação genital não ocorra no Brasil, a acolhida humanitária de mulheres que fugiram desse tipo de violência amplia o entendimento da sociedade sobre a gravidade dessas violações e reafirma o compromisso do país com os direitos humanos”, afirma.

Cecilia destaca ainda que iniciativas como essa podem impulsionar o debate nacional sobre violência de gênero, direitos sexuais e reprodutivos, além de políticas públicas de proteção às mulheres, inclusive no âmbito legislativo. Tramitam no Congresso Nacional projetos como o PL nº 3.344/2015, que propõe tipificar a MGF como crime de lesão corporal gravíssima, e o PL nº 1.350/2022, que altera o Código Penal e a Lei Maria da Penha para estabelecer novas penas ao crime de lesão corporal gravíssima contra a mulher que resulte em marca permanente, e dá outras providências.

Perspectivas histórica e jurídica

Embora a MGF não seja prática comum no Brasil, o tema insere-se no debate global sobre direitos das mulheres e saúde pública. Em 2022, as advogadas Cecilia Mello, Marcella Halah e Flávia P. Amorim, sócias do escritório Cecilia Mello Advogados, publicaram um artigo na Revista de Direito e Medicina intitulado “Mutilação Genital Feminina: mais uma faceta da violência de gênero”. O estudo analisa a prática sob perspectivas histórica e jurídica, ressaltando sua ligação com a desigualdade de gênero e a necessidade de uma resposta internacional coordenada para sua erradicação.

Segundo Cecilia Mello, embora a MGF não ocorra no território brasileiro, o país recebe imigrantes de regiões onde a prática é prevalente, o que exige atenção às políticas de integração e proteção dessas mulheres. “Além disso, o debate sobre a MGF no Brasil pode contribuir para a conscientização sobre a violência de gênero e a importância dos direitos sexuais e reprodutivos das mulheres”, afirma. Ela avalia que essa discussão também fortalece a luta contra outras formas de violência e discriminação que atingem mulheres no país. “É essencial que o Brasil participe ativamente desse diálogo global, promovendo campanhas educativas e políticas públicas de saúde que protejam os direitos das mulheres e combatam práticas nocivas como a MGF”, conclui.

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