Opinião

Quem será o auditor dos auditores?

Validação externa das urnas é ‘zelo’ desnecessário

30 de maio de 2022

fabio rodrigues pozzebom agência brasil

Por Walfrido Warde e Valdir Simão*

Artigo publicado originalmente na Folha

O presidente Jair Bolsonaro (PL) quer que as eleições e o funcionamento das urnas eletrônicas se submetam a uma auditoria privada. É um excesso de “zelo democrático”, típico dos campeões da democracia. Não à toa, essa preocupação recebeu o apoio de setores das Forças Armadas. Todos querem que o vencedor seja mesmo o vencedor.

Mas há sempre limites às boas intenções. A lei é, não raro, um deles. E o bom senso o outro. O país construiu desde a redemocratização um sólido aparato de controle. Uma empresa de auditoria privada trabalha sob todo o tipo de pressões e de influências, mais ou menos infensas às regras de transparência e de expurgo de conflitos de interesse que, num Estado democrático de Direito, impõe-se ao Tribunal Superior Eleitoral —que é o órgão competente à gestão das eleições deste ano e de todas as outras que tivemos desde a superação do regime autocrático instaurado em 1964.

No setor privado, a independência de uma auditoria forense se garante por regras e estruturas de governança, a exemplo dos comitês de assessoramento ao conselho de administração das companhias, com membros independentes, encarregados de contratar e de definir o escopo da auditoria. No caso das eleições, a independência de uma auditoria contratada por quem tem interesse direto no resultado do pleito, seja o candidato, sejam seus correligionários, é duvidosa.

A regra que franqueia aos partidos fiscalizar as eleições não os autoriza alterar os controles de Estado, porque são controles imparciais e a fiscalização das legendas é, por excelência, enviesada. Partido fiscaliza para os seus fins (no seu interesse) e apenas reflexamente no interesse público. Não se pode satisfazer o interesse público substituindo-o por interesses particulares. Seria ilegalidade, ainda que adoçada pelas ótimas intenções do presidente.

Temos assistido ao excelente papel desempenhado pela Justiça Eleitoral desde a reinstituição de eleições diretas no Brasil. Um trabalho contínuo de especialização tecnológica e de melhoria de controles inserem o Brasil entre as mais desenvolvidas democracias eleitorais do planeta. E não é uma pequena democracia. O país tem dimensões continentais, graves disparidades socioeconômicas, superadas a cada eleição sob a excelência do nosso sistema eleitoral —pelo qual, diga-se de passagem, o presidente se elegeu em 2018.

Muitos estranharam que o povo tivesse majoritariamente depositado confiança em Jair Bolsonaro. Ele não ostentava experiência executiva e nunca escondeu suas ideias chocantes. Mas nenhuma voz eloquente aventou que ele tivesse sido eleito por fraude. O povo o elegeu. Não há dúvidas.

Não vale agora, presidente, por mais que compactuemos com seu “zelo democrático”, porque a democracia é muito cara para nós, substituir os controles de Estado pela opinião de uma auditoria privada, porque nós não sabemos bem, nem mal, quais são os auditores dos auditores.

Walfrido Warde é advogado e presidente do Instituto para Reforma das Relações entre Estado e Empresa (IREE)

Valdir Simão é advogado, ex-ministro-chefe da Controladoria-Geral da União (jan.2015-dez.2015, governo Dilma), e do Planejamento (dez.2015-mai.2016, governo Dilma); é coautor do livro ‘O Acordo de Leniência na Lei Anticorrupção’ (ed. Trevisan)

Foto: Fabio Rodrigues Pozzebom / Agência Brasil

Notícias Relacionadas

Opinião

Decisão equivocada do STF suspende redução da tributação

ADI errou no argumento da ofensa ao princípio da seletividade do IPI

Notícias

Celso de Mello não cometeu abuso de autoridade, dizem advogados

Bolsonaro sugeriu que liberação de vídeo de reunião foi ilegal