Opinião

Decisão equivocada do STF suspende redução da tributação

ADI errou no argumento da ofensa ao princípio da seletividade do IPI

19 de maio de 2022

Por Luiz Fernando Maia*

O ministro Alexandre de Moraes suspendeu a vigência dos Decretos 11.047/22, 11.052/22 e 11.055/22 que reduziram linearmente as alíquotas do IPI em 35%. A decisão foi na ADI 7153, do partido Solidariedade, que alega afronta ao princípio da seletividade do IPI, abalo à competitividade das empresas da Zona Franca de Manaus (ZFM), tornando ineficazes os incentivos fiscais da mesma.

Além do Princípio da Seletividade, os demais argumentos constitucionais seriam ofensa ao artigo 40-92-A-ADCT (criação/prorrogação incentivos fiscais ZFM até 2063), ao art. 225, caput (meio ambiente ecologicamente equilibrado), a erradicação da pobreza e da marginalização e desigualdades sociais (art. 3º, III, 151, I e VII).

O relator, ao conceder a medida cautelar, alegou que o IPI é um dos principais tributos dos incentivos fiscais da ZFM e os decretos não trouxeram medidas compensatórias à produção na ZFM. A suspensão seria apenas para os produtos da ZFM que possuem Processo Produtivo Básico (art.7º, § 8º, b, lei 8.387/91). O detalhe é que não existem em lugar algum a relação de quais são estas empresas/produtos em tal situação, o que impõe, por ora, a inaplicabilidade da redução do IPI a todos.

A primeira crítica aqui é quanto aos argumentos da inicial da ADI transcender ao universo da tributação, adentrando em tema ambiental e de direito e igualdade social assegurado na Constituição, muito longe de serem afetados pela concessão da redução do IPI. Aliás, em 2012/13 (2 anos), foi reduzido à 0% o IPI dos carros populares, linha branca (geladeira, fogão etc) com desoneração, na época, de R$ 40 bilhões, sem qualquer abalo dos fabricantes da ZFM. A redução linear de hoje, de 2022 a 2024 (3 anos), desonera menos que R$ 60 bilhões.

A segunda crítica é a tendência do STF recepcionar, para âmbito de sua competência, ações sem o necessário contorno de afronta à Constituição. Trata-se aqui do que os juristas hoje chamam do “Iluminismo das Cortes Superiores”, onde desponta o ativismo judicial, com a exploração da característica “contramajoritária” destas cortes, tendente a flexibilizar a interpretação do texto constitucional em defesa de interesse maior.

Concordamos que o direito somente evolui com decisões de vanguarda estabelecidas dentro da multiplicidade de significados extraíveis naturalmente dos textos. Mas, precisamos ter em mente a multiplicidade dos arquétipos constitucionais existentes no mundo. O grau da flexibilização da CF/88, com 244 artigos, além de 114 ADCT, não pode ser o mesmo de uma Constituição com menos de uma dúzia de artigos.

A preocupação do nosso constituinte foi de cobrir de forma mais expressa possível as Garantias e Princípios do Estado de Direito, a ponto de inserir o Sistema Tributário dentro da Constituição (sistema tributário rígido), contrapondo-se ao sistema flexível, adotado pelos países mais desenvolvidos. Quando manteve isto em 1988, contrariando a lógica mundial, o fez com a preocupação de evitar o abuso da tributação e a flexibilização da interpretação das regras constitucionais do poder de tributar, em proteção ao contribuinte, muito mais vulnerável em países subdesenvolvidos como o nosso.

A ADI errou no argumento da ofensa ao princípio da seletividade do IPI, vez que tal princípio, efetivamente, não se aplica ao caso em testilha. O § 3º do art.153 traz o critério obrigatório da seletividade do IPI, sendo a função da seletividade a variação das alíquotas do IPI, segundo o grau de essencialidade que o produto experimente junto ao meio social consumidor, ou seja, quanto menos essencial, maior a alíquota e quanto mais essencial, menor a alíquota. O princípio é voltado à natureza do produto ser supérfluo ou essencial, enquanto os incentivos fiscais da ZFM afetam aos polos industriais que ali se instalam, sem vinculação aos produtos. Portanto, a alegada ofensa deste princípio constitui-se em verdadeira aberração.

Quando a ADI se embasa na afetação do meio ambiente assegurado na Constituição, falta correlação lógica, pois a redução linear do IPI não teria como afetar esse patrimônio mundial (Floresta Amazônica). O mesmo ocorre com a alegação dos Decretos imporem a miséria absoluta ao Estado do Amazonas. Ora, os benefícios da ZFM vão da redução de 88% do Imposto de Importação; isenção do IPI; redução de 75% do IRPJ, isenção da contribuição do PIS/Cofins. Some-se a isto a possibilidade de restituição de 55% a 100% do ICMS pago.

Para o decreto em análise tornar ineficazes tais benefícios, teríamos que partir da premissa de que os fabricantes da ZFM não repassam nenhum dos benefícios ao preço final do produto. A redução do IPI, veiculada nos decretos em testilha, nada mais é do que o uso da redução das suas alíquotas para atender aos critérios da extrafiscalidade.

A extrafiscalidade é intrínseca do IPI, dispensa o aumento ou redução de suas alíquotas do Princípio Constitucional da legalidade (art.153, § 1º), da regra nonagesimal (Art. 150, § 1º, III, c) e da anterioridade (Art. 150, § 1º, III, b), face sua relevância política e econômica e existe justamente para o Estado intervir na economia nos momentos em que necessário, usando os tributos que gozam do atributo da extrafiscalidade.

A realidade pós-pandemia, agravada com a guerra Rússia/Ucrânia, trouxe efeitos deletérios como a volta da inflação, em grande parte por força da escassez de produtos. Com a alta da inflação, sobem os juros, que fazem os investidores migrarem para o mercado financeiro. Como consequência, não há nova geração de empregos na indústria/comércio. Por isso, premente incentivos à indústria.

Sopesando os dois interesses, dos fabricantes da ZFM na ADI e de um país inteiro, representado pelo uso da extrafiscalidade para reduzir a tributação na busca de reerguer a economia, resta-nos claro que quando em antinomia, uma previsão constitucional do incentivo regional da ZFM (que não é Princípio Constitucional) frente a um Princípio Constitucional (Extrafiscalidade do IPI), próprio ao Estado para intervir na economia em prol de todos, este último prevalece. Esperamos que o STF reverta posição tão equivocada.

Luiz Fernando Maia é advogado e sócio-fundador do escritório LF Maia Sociedade de Advogados.

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