Opinião

“Lootbox e jogos de azar não se misturam”, explica especialista

Para advogado, sistemas são análogos aos clássicos álbuns de figurinha

13 de abril de 2023

Reprodução/GamerGen

Depois que o Centro de Inteligência da Justiça do Distrito Federal (CIJDF) expediu uma Nota Técnica sobre a monetização de jogos eletrônicos, as notórias lootboxes voltaram à pauta no país. Para quem não sabe: loot boxes são “caixas-surpresa de recompensas” vendidas em games – uma espécie de kinder ovo digital.

Muito embora haja discussão sobre a forma como esses microtransações são utilizadas pelas desenvolvedoras, a Nota Técnica do CIJDF deixa claro que, legalmente, lootboxes não são jogos de azar.

“Tentar equalizar as práticas para fins de comparação gera uma falsa simetria, porque elas são atividades completamente distintas”, diz o advogado e especialista em Games e eSports Marcelo Mattoso, sócio do Barcellos Tucunduva Advogados. “Por definição legal (art. 50, §3º, alínea “a” da Lei de Contravenções Penais), jogo de azar é o ‘jogo em que o ganho ou perda dependam exclusivamente da sorte’. Ou seja, pelo que se extrai do texto da lei, para caracterização desse conceito são necessários três elementos: ser um jogo; envolver um ganho e uma perda; depender exclusivamente ou principalmente de sorte.”

Assim, o especialista reitera que as lootboxes são: (i) são mecanismos utilizados para desbloqueio de conteúdos virtuais em jogos eletrônicos (e não um “jogo” em si, mas sim um mecanismo dentro do jogo eletrônico); (ii) não envolvem “perda ou ganho”, pois o usuário, ao utilizar-se desse mecanismo, não perde ou ganha coisas ou bens, mas apenas desbloqueia conteúdos virtuais sem valor monetário; (iii) apesar de possuir o fator “sorte” no desbloqueio de tais conteúdos, tal fator, sozinho, não tipifica a conduta (caracterizar crime ou contravenção), já que os outros elementos não estão presentes.

Segundo Mattoso, a Nota Técnica vai além ao deixar um exemplo muito pertinente. “Se entendermos que lootboxes são jogos de azar, estaríamos querendo dizer que pacotes de figurinhas para completar álbuns de jogadores de futebol, extremamente comuns em anos de Copa do Mundo; cards colecionáveis como Pokémon TGC, Magic The Gathering ou Yu-Gi-Oh! – o famoso chocolate kinder ovo, também seriam jogos de azar. Tais produtos já estão inseridos em nossa sociedade há anos e sua utilização nunca foi questionada como jogos de azar, exatamente pelo fato de que não possuem tais características.”

Ainda assim, a Nota Técnica deixa claro que o documento “tem natureza de simples recomendação e cunho informativo”.

“A Nota não possui força de lei ou vinculação em casos judiciais, mas foi elaborada para trazer um pouco de luz sobre o tema e pode, sim, ser utilizada para embasar o tema. Apesar de detalhada, é um documento instrutório e que traz à baila inúmeros conceitos importantes. O ponto proveitoso para o debate é que ela deixa claro que lootboxes e jogos de azar são coisas completamente distintas e devem ser tratadas separadamente. Partindo dessa premissa, creio que as discussões sobre ambos os temas possam seguir adiante sem se misturar, gerando segurança para ambos os mercados e para a sociedade em geral.”

Apesar da discussão ser necessária, o tema parece ser muito mais uma forma de informar pais e responsáveis no cenário de jogos eletrônicos do que uma forma de cobrar ações das desenvolvedoras. O especialista pondera, porém, que “o que podemos extrair aqui é a conscientização de como funcionam as lootboxes e qual o seu papel dentro dos jogos eletrônicos; trazer informações sobre a questão e fazer com o que mercado, a comunidade e a própria sociedade reflitam sobre o tema de forma saudável; e entender como utilizar esses mecanismos de forma sustentável para viabilizar jogos ‘gratuitos’”.

Para Mattoso, “o cenário de eSports, por exemplo, é fomentado, em sua maioria, por jogos que possuem o modelo ‘freemium’ lastreado em lootboxes: todo um ecossistema existente e é viabilizado por elas, por assim dizer”.

Foto: Reprodução/GamerGen

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