Por João Emmanuel Cordeiro Lima*
O 10º Encontro Bienal de Biossegurança (EBBIO 2025), na cidade de Vitória, reforçou a percepção de que a agenda sobre o tema está em franca evolução, com avanços regulatórios, científicos e comunicacionais que merecem atenção não apenas de juristas, mas também de formuladores de políticas públicas e agentes econômicos. A seguir, destaco algumas das principais tendências discutidas, com ênfase nas oportunidades e desafios para a governança regulatória em um contexto de inovação acelerada.
Redução de custos regulatórios
O cenário regulatório da biossegurança, no Brasil e internacionalmente, revela uma tendência clara de redução de custos para o desenvolvimento e liberação de produtos biotecnológicos. Esse movimento decorre de três fatores principais: o acúmulo de conhecimento técnico-científico sobre os riscos associados aos Organismos Geneticamente Modificados (OGMs); o aperfeiçoamento dos marcos normativos, com maior previsibilidade e racionalidade; e o avanço das Técnicas Inovadoras de Melhoramento de Precisão (TIMPs), que permitem o desenvolvimento de produtos mais precisos e com menores custos.
Esses elementos têm viabilizado processos de avaliação mais proporcionais ao risco e mais eficientes, facilitando a entrada de soluções inovadoras no mercado, sem comprometer a proteção da saúde humana, animal e do meio ambiente. Países como o Brasil vêm adotando abordagens regulatórias diferenciadas para produtos desenvolvidos por TIMPs — como a edição gênica sem inserção de material genético exógeno —, o que tem permitido ciclos de inovação mais ágeis e com menor custo, especialmente relevantes para startups e empresas de menor porte.
Crescimento do uso de bioinsumos
O uso de bioinsumos agrícolas — como microrganismos promotores de crescimento, biodefensivos e biofertilizantes — segue em forte expansão no Brasil. Segundo levantamento da Blink e da CropLife Brasil, o setor movimentou R$ 5 bilhões na safra 2023/2024, com crescimento de 15% em relação à safra anterior. Nos últimos três anos, o mercado nacional apresentou taxa média de crescimento de 21% ao ano, índice quatro vezes superior à média global.
Esse dinamismo impõe desafios à regulação: é necessário assegurar a segurança dos produtos sem criar entraves desproporcionais à inovação. Nesse contexto, ganha força a proposta de uma biossegurança adaptativa, baseada em análise de risco diferenciada conforme o perfil tecnológico e o uso pretendido, capaz de acompanhar o ritmo da inovação sem perder o rigor técnico.
Harmonização regulatória no Mercosul
A retomada dos esforços de harmonização normativa no âmbito do Mercosul também foi tema de destaque. A diversidade de critérios técnicos e procedimentos administrativos entre os países do bloco pode dificultar o comércio de produtos biotecnológicos e gera insegurança jurídica para empresas com atuação regional. A construção de diretrizes comuns, baseadas em parâmetros científicos reconhecidos internacionalmente, é vista como um caminho promissor para ampliar a previsibilidade regulatória e fomentar a integração produtiva. Iniciativas como a criação da Rede Internacional de Biossegurança de Produtos Derivados da Biotecnologia Moderna (ABRE-Bio) simbolizam e catalisam este momento.
TIMPs e o tratamento regulatório das novas técnicas
As chamadas TIMPs, como a edição gênica por CRISPR (sigla para Clustered Regularly Interspaced Short Palindromic Repeats), estão transformando o desenvolvimento de variedades agrícolas e soluções em saúde e na indústria como um todo. Especialistas ressaltaram que a maior parte dos países que já regulamentaram o tema tem optado por não equiparar, automaticamente, os produtos oriundos de TIMPs aos OGMs. O Brasil segue essa abordagem, prevendo a possibilidade de uma análise caso a caso mediante a apresentação de consulta à Comissão Técnica Nacional de Biossegurança, o que favorece maior agilidade na inovação. Ainda assim, permanece o desafio de assegurar uma base legal robusta e harmônica entre os países, que dê segurança às decisões regulatórias diante da evolução científica e tecnológica e não crie barreiras injustificáveis ao comércio internacional.
Comunicação em biossegurança
Foi enfatizada a necessidade urgente de melhorar a comunicação pública sobre OGMs e biotecnologia. Apesar do amplo respaldo científico à segurança desses produtos, persistem algumas resistências infundadas entre grupos de consumidores e setores da sociedade. As redes sociais, nesse contexto, desempenham papel ambíguo: são, ao mesmo tempo, veículos de desinformação e poderosas ferramentas de disseminação de conhecimento.
A construção de narrativas claras, baseadas em evidências, e o engajamento ativo de pesquisadores, órgãos reguladores e empresas nesses ambientes digitais foram apontados como estratégias fundamentais para reverter percepções negativas. Discutiu-se ainda o papel crescente dos chamados influencers, que tanto podem contribuir para a divulgação de informações qualificadas quanto reforçar discursos desinformativos. Além disso, o investimento em educação científica e o fortalecimento da confiança pública na regulação foram apontados como pilares de uma comunicação eficaz e ética em biossegurança.
Conclusão
A governança da biossegurança será cada vez mais desafiada a equilibrar inovação tecnológica, proteção socioambiental e diálogo com a sociedade. O fortalecimento de um ambiente regulatório inteligente — baseado em ciência, proporcionalidade e transparência — é essencial para que a biotecnologia cumpra seu potencial de contribuir para a sustentabilidade, a competitividade, a inovação e a segurança alimentar.
João Emmanuel Cordeiro Lima – sócio da Nascimento e Mourão Advogados. Doutor e mestre em Direitos Difusos e Coletivos. Professor universitário.