Opinião

Lives da Cracolândia: desrespeito ao ser humano e à LGPD

Atos ferem os princípios basilares da privacidade e proteção de dados

Por Flávia Pietri, Ramon Barbosa Tristão e Lúcia Guedes*

Com a profusão de lives e reproduções de conteúdo nas redes sociais, a imagem de muitas pessoas tem sido explorada comercialmente por usuários dessas plataformas, de forma indevida, sem autorização, apropriando-se do que pelo titular fora postado.

E não é só. Há aqueles que, além de apropriarem-se de posts de outras pessoas, fazem vídeos ou até mesmo transmissões “ao vivo” de pessoas em extrema vulnerabilidade, incapazes de fornecer qualquer autorização do uso de suas imagens. Exemplo disso são produções que expõem desde situações embaraçosas, na Cracolândia, até passageiros, gravados ocultamente por motoristas de aplicativo.

Conforme preceitua a LGPD (Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais), dado pessoal é todo aquele capaz de identificar a pessoa natural. Logo, não há dúvidas que as imagens utilizadas sem autorização são tuteladas pelo nosso ordenamento jurídico. Portanto, para que ocorra o seu uso (a lei utiliza a expressão “tratamento”), é imprescindível que haja: a) uma base legal para tanto (artigo 11 da LGPD); b) uma finalidade lícita para seu uso; c) transparência e expectativa pelo titular do uso que será feito de sua imagem. E mais, tais atos ferem os princípios basilares da privacidade e proteção de dados no Brasil, previstos no artigo 2º da LGPD, quais sejam, a inviolabilidade da intimidade, da honra e da imagem e o respeito à privacidade.

Parece evidente que esses produtores de conteúdo que se utilizam equivocadamente de imagem alheia ferem a LGPD e, portanto, podem ser responsabilizados pelo seu descumprimento. Isso, tanto através de denúncia do titular, diretamente no site da Autoridade Nacional de Proteção de Dados (ANPD), ocasião em que poderão recair diversas sanções a este produtor de conteúdo, como ainda ajuizar uma ação de reparação de danos por ofensa ao regramento de privacidade e proteção de dados, pleiteando o pagamento de indenização por danos materiais e morais, se for o caso.

A discussão se acalora quando questionamos a responsabilidade das plataformas que veiculam essas imagens. Isso porque o artigo 19 do Marco Civil da Internet preceitua que as plataformas não podem ser responsabilizadas por conteúdos publicados por terceiros em suas redes, exceto em razão do descumprimento de uma ordem judicial anterior e específica que determine a exclusão do conteúdo.

Nesse sentido, tramitam perante o STF dois recursos extraordinários nos quais a responsabilidade dos provedores de internet, websites e gestores de redes sociais em relação ao conteúdo postado por terceiros é objeto de discussão. O RE 1.037.396 é relativo à constitucionalidade do mencionado artigo 19 do Marco Civil. Enquanto o RE 1.057.258 se refere ao dever de as empresas hospedeiras de site na internet de fiscalizar o conteúdo publicado e de retirá-lo do ar quando considerado ofensivo, sem intervenção do Judiciário.

E não é só. Além da esfera do Poder Judiciário, a discussão também foi suscitada pelo Poder Executivo. Em 12 de abril, o Ministério da Justiça e Segurança Pública (MJSP) publicou a Portaria 351/2023 que dispõe sobre medidas administrativas a serem adotadas para fins de prevenção à disseminação de conteúdos flagrantemente ilícitos, prejudiciais ou danosos por plataformas das redes sociais.

Como se nota, ainda não temos um posicionamento definido sobre a responsabilidade das plataformas digitais, mas é fato que a discussão já está presente em todas as esferas de Poder em nosso país e a expectativa é de que em breve tenhamos decisões sobre o tema.

Flávia Pietri, sócia da Nascimento e Mourão Advogados e especializada em Direito Digital.

Ramon Barbosa Tristão, advogado júnior da área de Direito Consultivo Empresarial da Nascimento e Mourão Advogados

Lúcia Guedes, sócia sênior coordenadora do Consultivo Empresarial e especialista em contratos da Nascimento e Mourão Advogados

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