Opinião

Fraudes do ‘Novo’ Normal

Péssimas práticas de natureza empresarial e comercial têm atolado o Judiciário com demandas

19 de março de 2024

Por Maria Lucia de Barros Rodrigues

Brasil é um país lindo, dotado de paisagens deslumbrantes, seu povo é simpático e extremamente acolhedor. Até bem pouco tempo, tivemos essa imagem perante a comunidade interna e externa, ou seja, todos os países estrangeiros com os quais mantemos negócios.

Para que nossa ‘Nota’ seja mantida, precisamos estar atentos a certas agendas, não apenas sermos dotados de belezas naturais e simpatia de nosso povo.

Algumas agendas internacionais que darão as diretrizes para as melhores práticas de negócios, sem nenhuma dúvida, são as modalidades ESG- Environment, Social e Governance; mantendo o foco das boas práticas, segue o Compliance, cujos pilares são: prevenir, detectar e corrigir. Agir de acordo com a legislação a qual o objeto empresarial está submetido, respeitando regras de regulamentação da atividade, tanto internas quanto externas. Também nessa linha das boas práticas, temos a Legislação Anticorrupção ou Lei da Empresa Limpa, Lei nº 12.846/13.

Não menos importante, surge no cenário a Lei Geral de Proteção de Dados, conhecida por LGPD, a Lei nº13.709/18, cujo objetivo é a proteção de direitos fundamentais de liberdade e privacidade e a livre formação da personalidade de cada indivíduo. A LGPD atua basicamente em três pilares: pessoas, processos e tecnologia.

Dito isso, passemos aos exemplos práticos.

Temos empresas ranqueadas como “As 10 melhores empresas brasileiras –ESG” e são elas: Suzano; Totvs; Klabin; Gerdau; Natura; Votorantim Cimentos dentre outros. Basicamente, o compromisso dessas empresas é a diminuição de emissão de toneladas de CO2 e recuperação de áreas degradadas.

Compliance e adequação às melhores práticas de transparência e ética, bem como implementação de programas robustos de compliance nas empresas continuarão a ser cada vez mais valorizados pelo mercado. Aquele ‘jeitinho’ vai ter cada vez menos lugar, se as empresas quiserem ser competitivas em mercados globais.

A LGPD é uma ferramenta extremamente importante, tendo em vista que a tecnologia veio para ficar.

Porém, fiquemos atentos, pois as falhas de segurança de dados não se restringem às invasões via softwares maliciosos que se espalham através de comunicações fraudulentas via e-mail, SMS ou WhatsApp, mas também especialmente, às situações do cotidiano que colocam em risco os dados pessoais e informações confidenciais das empresas.

Essas falhas do cotidiano acontecem principalmente devido à falta de orientação e treinamento de funcionários, falta de profissionalismo e adequação às regras da LGPD e especialmente, à falta de ética no trato ao cliente a ao manuseio de suas informações e seus cadastros.

Decorrência direta dessas falhas, muitos ‘mal intencionados’ e fraudadores de plantão estão aparecendo, especialmente no mercado imobiliário.

Para ilustrar, vamos trazer um ‘case’ bastante atual e complexo. Práticas eivadas de má-fé.

A Lei 9.514/97 regulamenta o sistema de financiamento imobiliário, instituindo a alienação fiduciária de coisa imóvel. O mecanismo funciona de seguinte forma. O proprietário de um bem de natureza imóvel, necessitando de dinheiro, faz um empréstimo em uma instituição financeira, dando seu imóvel em garantia desse valor. O próprio banco indica um avaliador, que faz um laudo de avaliação do imóvel e o proprietário do imóvel toma um empréstimo, uma porcentagem não muito grande, dessa avaliação. Essas ‘manobras’ estão sendo oferecidas por diversas instituições financeiras, o consumidor vê essas ofertas na internet a toda hora, recebe por e-mail ofertas bastante tentadoras, especialmente na época da pandemia, que o crédito estava bastante difícil, e as pessoas estavam engessadas em casa. Essas ofertas geralmente englobavam um período de seis meses de carência e juros baixos, fixos, com parcelas a serem pagas em muitos anos. Ocorre que no decorrer do período o contrato acaba por se tornar ‘impagável’.

Em resumo, ao ter acumuladas três parcelas, sem dó nem piedade, o banco não oferece nenhuma opção ao devedor, como desconto, refinanciamento, revisão contratual, nada. Faz a consolidação do imóvel e começa um verdadeiro terrorismo na vida do devedor. Os leilões são ‘piadas’ de péssimo gosto.

São os maiores pesadelos para o consumidor.

Normalmente os bancos cometem verdadeiras atrocidades e os leilões acabam sendo passíveis de anulação ou cancelamento.

No ‘case’ em comento, um certo banco, já determinado a fazer um terceiro leilão, tendo em vista que os dois leilões apregoados anteriormente haviam sido negativos, E SEM NOTIFICAR o devedor, montou um Edital e contratou uma empresa de leilões.

Enviou o Edital, documentos da Arrematante, e a Matrícula da unidade, já com a prenotação do banco inscrita nos assentos do registro de imóvel, para a Administradora do Condomínio. Alguns dias antes, solicitou todos os boletos, certidão negativa de débitos (CND) da unidade do devedor, bem como a troca de titularidade no cadastro da Administradora.

A Administradora forneceu todas as informações, documentos e procedeu à troca no cadastro, APENAS COM A PRENOTAÇÃO, E FEZ tudo sem sequer consultar o titular da unidade.

Detalhe: a Arrematante é ‘amiga’ da Síndica (anti)Profissional do Condomínio.

Há diversas irregularidades, verdadeiras atrocidades cometidas não apenas contra a LGPD, mas contra o Código Civil, nomeadamente as responsabilidades de síndico e Administradora. Código Penal então, nem se fale.

O Código do Consumidor, o Direito Constitucional, esses também foram totalmente debulhados.

Para concluir, fica aqui um alerta. As péssimas práticas de natureza contratual, bancária, empresarial, comercial, têm atolado o Judiciário com demandas e também elevado o custo-Brasil. As práticas eivadas de má-fé e fraudes, os conluios os conchavos, quem pensa que é ‘privilégio’ da Administração Pública, precisa repensar o que acontece, às vezes, na porta do seu próprio condomínio.

Maria Lucia de Barros Rodrigues

Advogada. Conciliadora e Mediadora Judicial e Extrajudicial. Professora Universitária. Graduada em Direito pela Faculdade de Direito da Universidade São Paulo (1988), mestrado em Direito Econômico e Financeiro pela Faculdade de Direito Da Universidade São Paulo (1992) e doutorado em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (2000). Pós-Doutorado pela Universidade de Lisboa(2006); Pós Doutorado pelo Centro Universitário Curitiba(Unicuritiba).

Notícias Relacionadas

Opinião

Audiências telepresenciais não podem ignorar Constituição e CLT

Magistrados devem se guiar pelos princípios da boa-fé e da razoabilidade

Opinião

A desinformação profissionalizada interessa a quem quer corroer a democracia

Checagem de fatos especializada pode ser resposta para a falta de credibilidade