Opinião

Ao completar dois anos, Pix merece comemoração, mas com ressalvas

Grande parte da população ainda não tem acesso a ferramentas digitais de pagamento

29 de novembro de 2022

Por Mariana Chaimovich* e Thaís Zappelini*

O Pix completa dois anos neste mês de novembro. De 2020 para cá, tivemos um processo contínuo de aprimoramento por parte do corpo técnico de funcionários do Banco Central (BC), que trabalhou para estruturar um verdadeiro ecossistema de pagamentos, utilizado cada vez mais pela população brasileira.

Apesar de ser extremamente útil à sociedade, assim como os outros tantos meios de pagamentos disponíveis, o Pix não opera mágicas: o surgimento e a consolidação desse ecossistema não devem, nem podem, ser considerados uma espécie de tábua de salvação para impedir malfeitos, pois ele também permite que usuários estejam suscetíveis a uma série de fraudes, golpes e outros crimes. Nesse sentido, acontecimentos recentes destacam a necessidade de atenção da sociedade como um todo.

Muito se fala que existiria uma relação de causa e consequência entre o aumento do uso do Pix e a diminuição da circulação do dinheiro em espécie, ou dinheiro “vivo”, na sociedade brasileira. Muito também se tem especulado sobre a suposta diminuição de determinados crimes, principalmente aqueles ligados à lavagem de dinheiro e à corrupção, em razão do uso do Pix.

Em um primeiro momento, a rapidez e a inexistência de limites às transações quando do lançamento do Pix impulsionaram inovações no mundo do crime. Ainda que esse meio de pagamento tenha visíveis benefícios, pela sua natureza digital e instantânea, não existem dados que comprovem a redução nos níveis de corrupção nacional a partir da implementação do Pix. Ao contrário, o Legislativo propôs uma série de iniciativas para combate à corrupção e lavagem de dinheiro no âmbito digital.

No caso de furtos e roubos envolvendo o Pix, o BC registrou quase 740 mil indícios de crimes de janeiro a junho de 2022, contra pouco mais de 25 mil no mesmo período de 2021. Ou seja, uma explosão de 2.818% em 2022 na comparação com o ano anterior. Mesmo com mudanças implementadas pelo BC para dificultar a vida dos criminosos, como limitar valores de transferências em determinados períodos, o número de furtos, roubos e sequestros continua crescendo exponencialmente.

Ainda que estejamos experimentando uma gama de mudanças tecnológicas expressivas, muitos se esquecem que a população brasileira, assim como em outros países do mundo, ainda é altamente dependente do dinheiro em espécie. Aqui, cerca de 34 milhões de adultos não possuem conta em banco, tendo nas cédulas de dinheiro o único meio de pagamento a seu alcance, e 90% dos brasileiros ganham menos de R$ 3,5 mil ao mês. O índice de endividamento no mês de setembro de 2022 chegou a quase 80% para a parcela da população que ganha até dez salários-mínimos, o maior nível da série histórica da Pesquisa de Endividamento e Inadimplência do Consumidor, produzida desde 2010 pela Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo.

Quem acha que o dinheiro precisa acabar não considera, em suas reflexões, a realidade dos diversos cenários e contextos enfrentados pela população brasileira. Milhões de pessoas não têm acesso sequer a conta bancária, quanto mais a aparelho celular ou mesmo internet que funcione. Pensando nisso, é preciso lembrar que o meio de pagamento em si, com suas utilidades, vantagens e desvantagens, não é o grande vilão da criminalidade, mas sim os agentes que desvirtuam seu uso. Daí a importância de garantir medidas suficientes para proteção de usuários, possibilitando escolhas informadas, e seguras, quanto a opções de pagamento.

O Pix também permite o saque de dinheiro em espécie, por meio da ferramenta Pix Saque e Pix Troco. Conforme dados disponibilizados pelo BC para o mês de setembro de 2022, foram realizadas 390.510 transações, com um total movimentado de R$ 51.492.032,36. Tanto os valores transacionados como a quantidades de transações foram crescentes desde sua implementação. Em que pese o menor número de transações em relação ao Pix, que, no mesmo mês de setembro, totalizaram 1.921.667.852, os números demonstram que até mesmo uma ferramenta que serviria exclusivamente no mundo online também é amplamente utilizada para garantir o acesso ao dinheiro em espécie.

Estatísticas do BC também demonstram que o Pix tem clara clivagem etária: em setembro de 2022, 62,5% dos usuários tinham entre 20 e 39 anos; 19,6% entre 40 e 49 anos e somente 4,1% contavam mais de 60 anos. Porém, levantamento do IBGE divulgado em julho último apontou que pessoas com 60 anos ou mais representavam quase 15% da população residente no Brasil em 2021, totalizando 31,2 milhões de pessoas.

A informação é relevante porque não se pode desconsiderar parte tão expressiva da população, presumindo que todos, indistintamente, conseguem acessar ferramentas digitais de pagamento sem qualquer dificuldade. Isso para dizer que, dois anos depois, muito temos a celebrar em termos de avanços no sistema de pagamentos brasileiro. Mas para esta conta fechar, não podemos tomar os ganhos como dados: há questões a serem resolvidas e problemas a serem contornados. Importante não deixar de fora da equação grande parte de nossa população, sem meios e acesso, colaborando para que usuárias e usuários tenham opções e suporte para realizar suas escolhas, dentro de sua realidade econômica.

*Mariana Chaimovich e Thaís Zappelini, advogadas, são, respectivamente, legal advisor e consultora de Relações Governamentais no ITCN (Instituto de Estudos Estratégicos de Tecnologia e Ciclo de Numerário)

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