Opinião

Mudanças propostas na Lei de Representação Comercial são tímidas

Ainda assim, PL inicia esperada e necessária atualização da legislação vigente

6 de julho de 2021

Por Lúcia Guedes Garcia da Silveira*

Artigo publicado originalmente na ConJur

Está tramitando na Câmara dos Deputados o Projeto de Lei nº 5.761/2019, de autoria do deputado Alexis Fonteyne (Novo-SP). O objetivo é alterar dispositivos da Lei nº 4.886, de 9 de dezembro de 1965, com redação dada pela Lei 8.420, de 8 de maio de 1992 (Lei de Representação Comercial), que regula as atividades dos representantes comerciais autônomos.

Nos termos da justificação apresentada pelo deputado Fonteyne, decorridos mais de 50 anos da edição, a lei precisa ser atualizada e as alterações propostas pretendem trazer mais segurança jurídica às partes e um maior equilíbrio no relacionamento entre elas estabelecido, além de propiciarem mais previsibilidade ao fluxo de caixa das empresas representadas e assegurar aos representantes o efetivo recebimento dos valores devidos.

Ressaltamos de antemão que este artigo não tem como objetivo analisar ou opinar sobre as modificações trazidas pelo PL 5.761/19, tendo apenas a pretensão de levar ao conhecimento de um público maior o início da necessária discussão acerca da atualização da nossa velha Lei de Representação Comercial.

É preciso destacar, em primeiro lugar, a alteração relativa à base de cálculo da indenização devida pela representada ao representante comercial, na hipótese de a representada rescindir o contrato sem justo motivo.

Nesse sentido, enquanto a Lei de Representação Comercial determina na letra “j” do seu artigo 27 o pagamento de indenização, cujo montante não poderá ser inferior a “1/12 do total da retribuição auferida durante o tempo em que o representante exerceu a representação”, o PL.5.761/19 inova ao estipular que o montante da indenização devida ao representante na hipótese de rescisão imotivada não poderá ser inferior a “1/12 do total da retribuição por ele auferida durante os últimos 10 anos do exercício da representação”.

Em adição, nos termos do artigo 3º do PL 5.761/19, ficam assegurados ao representante comercial os direitos à indenização pela rescisão contratual sem justa causa já adquiridos na forma da legislação anterior à data da publicação da (nova) lei.

Em relação aos contratos em vigor na data da publicação da (nova) lei, consoante disposição expressa no seu artigo 4º, fica facultado às representadas a realização de depósito retroativo, no todo ou em parte, das parcelas indicadas na alínea “j” do artigo 27 da Lei de Representação Comercial, o qual será feito no prazo de 180 dias da vigência da nova lei e nos termos nela estipulados.

Ainda no tópico relativo à indenização devida pela representada ao representante no caso de rescisão imotivada do contrato por iniciativa da representada, o PL 5.761/19 inova e insere a letra A ao artigo 32, criando a figura da antecipação da quitação de indenização, a qual é feita, pela representada, durante o prazo de vigência do contrato. Consoante a dicção da letra A do artigo 32, acrescida ao texto legal, fica facultado aos representados o direito de pagar anualmente, de forma destacada no recibo, um adicional no valor de 1/12 do total das comissões, a título de antecipação da quitação de indenização prevista na alínea “j” do artigo 27.

O PL 5.761/19 ainda dá nova redação ao artigo 31, excluindo a expressão “ou quando ele for omisso”, colocando fim à antiga discussão jurisprudencial sobre o tema ao estabelecer que quando houver previsão expressa no contrato de representação acerca da exclusividade de zona ou zonas (e, portanto, somente nesse caso) fará jus o representante à comissão pelos negócios aí realizados, ainda que diretamente pelo representado ou por intermédio de terceiros.

No que se refere à retenção de comissões, o PL 5.761/19 insere no artigo 37 uma nova hipótese de retenção, caso a representada tenha realizado a quitação antecipada de indenização prevista no artigo 32-A, para que esta possa se ressarcir. Além disso, no mesmo dispositivo, assegura expressamente à representada o direito de ação para cobrar do representante o montante faltante se as comissões retidas não cobrirem integralmente o crédito por ela detido.

Ainda a título de destaque, o PL 5.761/19 altera o parágrafo único do artigo 44 da lei, que trata da prescrição do direito de ação do representante quanto aos créditos resultantes do contrato, equiparando-a à prescrição prevista na CLT para os contratos de trabalho.

De acordo com a alteração proposta, o direito de ação quanto aos créditos resultantes das relações contratuais de trabalho do representante comercial prescreve em cinco anos, até o limite de dois anos após a extinção do contrato. A Lei de Representação Comercial, por sua vez, prevê prescrição quinquenal do direito de ação dos representantes para pleitearem a retribuição que lhes é devida e os demais direitos garantidos na referida lei.

Ainda como novidade, a redação proposta para o artigo 46 dispõe que a correção monetária incidente sobre os valores a que se referem a alínea “j” do artigo 27 e o artigo 34 da lei será feita com base na variação mensal do Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) ou por outro que venha a substituí-lo, deixando expresso o que já estava sendo praticado e aplicado pelos tribunais.

Por fim, é necessário ressaltar que o PL 5.761/19 por meio de seu artigo 2º, revoga expressamente os parágrafos 3º, 5º e 7º do artigo 32 da Lei de Representação, suprimindo dispositivos legais de natureza eminentemente protetiva para os representantes, a saber: 1) faculdade de o representante comercial emitir títulos de créditos para cobrança de comissões; 2) eventual retribuição pendente, gerada por pedidos em carteira ou em fase de execução e recebimento, tem vencimento na data da rescisão caso essa se dê de forma imotivada e por iniciativa da representada; 3) vedação expressa, na representação comercial, de alterações que impliquem, direta ou indiretamente, a diminuição da média dos resultados auferidos pelo representante nos últimos seis meses de vigência

Importante destacar que, até o momento, o PL 5.761/19 foi emendado em duas oportunidades (Emenda nº 1 e Emenda nº 2). A Emenda nº 1, que objetivava alterar a indenização de 1/12 para 1/10 do total da retribuição e preservava o prazo prescricional, foi rejeitada.

A Emenda nº 2, que altera ao artigo 2º da lei e torna facultativo o registro dos representantes nos conselhos regionais, foi aceita e gerou o substitutivo do PL 5.761/19. O fundamento apresentado para essa alteração é o de que a obrigatoriedade afronta o princípio constitucional da liberdade de trabalho. Nesses termos, de acordo com o PL 5.761/19, a falta de registro não constitui impeditivo para o exercício da profissão.

O presente artigo destacou somente os pontos mais relevantes do PL 5.761/19. Outras emendas podem ainda aprimorar o texto da proposta legislativa, considerando não só os desafios múltiplos que o uso mais acentuado da tecnologia e o trabalho remoto trazem a essa antiga atividade comercial, mas também as novas características e especificidades da representação comercial na atualidade.

As modificações propostas pelo PL 5.761/19, apesar de muito tímidas e de não abarcarem questões contemporâneas de grande relevância, tais como as relacionadas à realidade digital e à concessão de maior liberdade às partes ao contratarem, lançam um novo olhar para o instituto da representação comercial e iniciam a esperada e necessária atualização da legislação vigente.

*Lúcia Guedes Garcia da Silveira é sócia senior da Área de Direito Empresarial, especialista em Contratos e coordenadora do Consultivo Empresarial do escritório Nascimento & Mourão.

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