Opinião

Tire a espinha, aproveite a carne

Esse é o momento em que todos devem contribuir para a reconstrução da sociedade

7 de julho de 2021

FOTO: BRUNO VAN ENCK

Por Nelson Wilians*

Artigo publicado originalmente na Folha

Se havia uma certa sensação de estarmos vendo um filme com o coronavírus fazendo a terra parar de girar no primeiro ano de pandemia, em 2021, saímos da atmosfera de ficção para um drama real, com o nosso mundo em estado de lenta eletrocussão.

E retornar ao “modo 2019” não é uma opção.

Com a pandemia, o ponteiro do desconfiômetro global ficou sobre as principais instituições, ora oscilando para um lado, ora para o outro.

O mais recente estudo publicado pelo Edelman Trust Barometer, feito com mais de 33 mil pessoas em 28 países, incluindo o Brasil, revelou uma desconfiança generalizada nas instituições sociais e nos líderes governamentais.

Entre os quatro tipos de instituições avaliadas — empresa, governo, ONGs e mídia —, as empresas são as mais confiáveis e ainda as únicas consideradas éticas e competentes.

O governo, que no início gozava de enorme confiança para liderar a luta contra a Covid-19 e restaurar a economia, submergiu com o saldo de cerca de 4 milhões de vidas perdidas até aqui e a enorme onda de desemprego, equivalente à da Grande Depressão. De acordo com um levantamento da Organização Internacional do Trabalho (OIT), publicado no início de junho, mais de 200 milhões devem ficar sem emprego até 2022.

Com isso, de acordo com o estudo, aumentou a pressão da população sobre a iniciativa privada na resolução de questões sociais, que espera que os empresários atuem quando os governos não fazem sua parte.

Isso se deve, obviamente, à intensa participação das empresas no combate à pandemia. De acordo com o estudo, 90% dos brasileiros esperam que os CEOs se manifestem publicamente sobre temas como o impacto da pandemia, automação do trabalho e problemas sociais.

Os líderes empresariais, com isso, estão sendo chamados a assumir um papel relevante na resolução dos problemas de grande escala que vieram com o choque do coronavírus.

Isso me recorda uma antiga expressão que pode passar pela cabeça de muitos CEOs e empresários: e ‘eu com o peixe?’ Esse é o momento em que todos devem contribuir para a reconstrução da sociedade.

São muitas as questões que vão exigir um esforço global. Algumas delas são antigas e se acentuaram com a Covid-19, como a fome e a pobreza que atingem milhões de pessoas, e outras também não tão recentes, mas que ganharam novo impulso, como os riscos ambientais e o desemprego.

No vazio deixado pelos governantes, os líderes empresariais estão sendo convocados para um maior engajamento social e para compensar a incapacidade de outras instituições, liderando mudanças que vão além de suas áreas de negócio.

Com certeza, eles saberão como tirar a espinha desse peixe e aproveitar a carne. Seja por questões de sobrevivência e de solidariedade — citando aqui uma frase de São Paulo, “quem recolheu muito não teve de sobra e quem recolheu pouco não teve falta”

*Empreendedor, advogado, fundador e presidente do Nelson Wilians Advogados

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