Opinião

O algoritmo do Uber na configuração do vínculo de emprego

Questão que permeia várias outras plataformas digitais volta à pauta do TST

29 de junho de 2021

Por Donne Pisco*

Artigo publicado originalmente na ConJur

O incremento de tecnologias, sobretudo no fornecimento de serviços, acarretou o surgimento de novas modalidades de relacionamento, em diversas áreas, que muitas vezes escapam à regulamentação jurídica tradicional, desencadeando conflitos carentes de soluções e proteção legal. Exemplo disso é a discussão afeta à natureza do vínculo entre trabalhadores e serviços por aplicativo.

O tema volta à pauta do Tribunal Superior do Trabalho (TST), dessa vez em torno da sistemática por trás do algoritmo do Uber. Trata-se de questão que permeia várias outras plataformas digitais, responsáveis pela conexão entre consumidores e prestadores de serviços.

A discussão consiste em saber se o algoritmo seria instrumento interposto de subordinação: o aplicativo, mesmo sem a intervenção humana, exerce seu poder mandatório sobre os motoristas, tolhendo-lhes a liberdade de atuação, restringindo a livre estipulação do preço, estimulando ou desestimulando determinados tipos de comportamentos e repercutindo sobre os rendimentos dos parceiros aderentes à plataforma, conforme o tempo dedicado ao fornecimento dos serviços e o número de corridas realizadas?

Especialmente quanto ao Uber, os seus termos e condições de uso estipulam uma categorização — Azul, Ouro, Platina e Diamante — para as quais são previstas vantagens determinadas, segundo a pontuação obtida pelo motorista durante um ciclo de três meses e, entre outras coisas, a média de avaliação dos usuários, as chamadas canceladas e aceitas e as viagens completadas. Por exemplo, a promoção para uma categoria superior depende, além de um número mínimo de pontos, do alcance de uma determinada média mínima de avaliação pelos usuários atendidos, de um percentual mínimo de aceitação de viagens e de um percentual máximo de chamadas recusadas. O não atendimento cumulativo dos critérios causaria o rebaixamento de categoria.

Os motoristas parceiros, conforme a categoria, podem receber vantagens como descontos em combustível e mensalidades de faculdades e academias, além de prioridade no direcionamento de chamadas de usuários VIPs e com partidas em aeroportos, numa relação de estímulo e recompensa. Em contraponto, avaliações baixas dadas pelos usuários ou a violação de determinadas cláusulas do código de conduta podem acarretar a exclusão da conta, com descredenciamento do motorista, equivalendo à sanção capital por infração disciplinar.

As normas da plataforma digital, tais como aquelas que regem tantas outras desse segmento, definem os critérios de elegibilidade para adesão e permanência do parceiro, que se submete a determinadas regras de comportamento para fazer uso do aplicativo e acessar o destinatário último do serviço, perseguindo assim os seus rendimentos.

Apesar de fixar critérios de recompensa indutores de comportamento do parceiro, destinado a maximizar a qualidade do serviço e a obter a preferência do usuário, a essência que se extrai do exame dos parâmetros de funcionamento das plataformas digitais é a de uma relação de parceria, em que ambas as partes assumem o risco da atividade econômica — o que obsta a caracterização do aplicativo como empregador, entendido como tal aquele que admite, assalaria e dirige a prestação pessoal de serviço, segundo requisitos do artigo 2º da CLT. Ainda que houvesse relação de emprego, caberia definir a categoria do enquadramento, a jornada e o salário-base. A interpretação atual do TST é contrária à tese dos motoristas, sob o entendimento de que a autonomia e a flexibilidade permitidas pelo aplicativo são incompatíveis com a vinculação empregatícia.

De qualquer forma, a configuração do vínculo de emprego, especialmente se se tornasse nos tribunais um entendimento dominante, não seria a solução virtuosa que aparenta, pois redundaria na elevação de custos antes não considerados e que, nessa realidade hipotética, se absorvidos pela companhia, afetariam a geração de resultado, podendo desencadear, num extremo, a saída das plataformas digitais do mercado brasileiro, já que tal quadro decerto tornaria a operação pouco lucrativa. Noutro ponto, a transferência do custo adicional para a tarifa reduziria a atratividade do serviço, podendo impactar o número de corridas e de usuários, afetando igualmente o faturamento e a vantajosidade do negócio, pondo novamente em risco o próprio motorista.

O que se tem é que ações individuais tomadas com o fim de satisfazer interesses privados imediatos — como aqueles legitimamente perseguidos nas ações em que se discute o reconhecimento de vínculo de emprego entre prestadores de serviços e aplicativos — podem implicar, não na asseguração de direitos, mas na criação de um contexto jurídico desfavorável para tais modelos de negócios e que simplesmente expulse as plataformas digitais de serviço do mercado, fazendo com que os eventuais direitos adquiridos se tornem totalmente inócuos, à falta de companhias onde tais trabalhadores possam se empregar.

*Donne Pisco é sócio-fundador do Pisco & Rodrigues Advogados.

Notícias Relacionadas

Opinião

Dia da Condenação Injusta – Por que condenamos inocentes?

Data serve para fomentar o debate em torno do tema

Opinião

Como tornar a análise preditiva sua aliada no ambiente legal

Com a ajuda da técnica, investigações saem do campo meramente subjetivo