Opinião

NFTs viabilizam lavagem de dinheiro?

Um mercado paralelo e ilegal tem se estabelecido no âmbito dos ativos virtuais

10 de maio de 2022

Por Thaís Zappelini*

NFT é a sigla de non-fungible token (em português, token não fungível) e remete a um processo de transformação de um ativo virtual em ativo virtual registrado em uma blockchain, que caracteriza um bem único. Como consequência, não é possível alterar, excluir ou editar o ativo.

Os tokens são representações digitais de valor. Assim, se determinada pessoa é proprietária de um token, ela tem direitos sobre ele, como um certificado digital de propriedade, cuja autenticidade e exclusividade pode ser verificada. Já a expressão “não fungível” faz referência àquilo que não pode ser substituído por coisas de outra espécie.

Os NFTs, apesar de não estarem reduzidos a artigos de arte, podem ser imagens, vídeos, áudios, ingressos para concertos, álbuns de música, ou mesmo ativos digitais de jogos (como skins de personagens). Esses ativos costumam ser anunciados e vendidos em marketplaces (como o Open Sea), nos quais os tokens são expostos – como em uma vitrine – para serem vendidos a colecionadores ou investidores. Segundo a revista Forbes, cerca de R$ 128,1 bilhões, equivalentes a US$ 23 bilhões, foram movimentados em NFTs em 2021.

A popularidade dos NFTs cresceu tanto que foi inaugurado este ano um museu em Seattle (EUA) para exibir obras de arte originais. Diversas celebridades passaram a investir nelas com quantias significativas – por exemplo, o jogador Neymar, que pagou R$ 6 milhões por um artigo da coleção Bored Ape Yacht Club (BAYC).

A venda de terrenos virtuais do BAYC no último final de semana de abril foi recebida com tremendo alvoroço, e culminou em aproximadamente US$ 285 milhões levantados pela empresa responsável, a YugaLabs.  Porém, junto com essa fama veio também uma série de controvérsias, como suspeitas de fraudes e acusações quanto a potenciais impactos ambientais envolvendo o processo de mineração, já que os NFTs dependem da tecnologia blockchain.

Embora os altíssimos valores negociados pelos NFTs costumem ser atribuídos à escassez na autenticação do trabalho na rede blockchain e às valorizações do mercado tradicional de artes, de acordo com o relatório da Chainalysis (2021), a lavagem de dinheiro por meio de compra e venda de NFTs teria movimento cerca de 1,4 milhão de dólares no primeiro semestre de 2021.

A pesquisa tomou por base valores movimentados por endereços previamente associados a roubos, contas sob sanções legais e outros atos ilícitos. O mesmo relatório indica a movimentação ilegal de US$ 8,6 milhões em 2021 através de criptomoedas.

Outro documento de autoridades britânicas da Royal United Services Institute demonstra a mesma preocupação com o uso da tecnologia para atos criminosos, recomendando o monitoramento da atividade. No mais, foram emitidos pelo Departamento do Tesouro dos EUA em abril deste ano recomendações para o combate ao financiamento ilícito do mercado de arte envolvendo alto valores, com especial atenção para a arte digital.

Diferentemente do que se imagina, o crime de lavagem de dinheiro não faz uso somente da moeda em espécie de curso oficial. Assim como as tecnologias evoluem para acompanhar o desenvolvimento social, novas estratégias de cometer ilícitos também se valem delas.

Nesse sentido, um mercado paralelo e ilegal tem se estabelecido no âmbito dos ativos virtuais. Algumas particularidades  relacionadas aos tokens não fungíveis têm aberto novos espaços para crimes como a lavagem de dinheiro e a negociação de lavagem (“wash trading”).

Ainda que as transações realizadas sejam registradas, não é possível identificar o destinatário e o remetente, de maneira que o pseudo anonimato acaba sendo uma característica desse tipo de ativo. Logo, a lavagem ocorre aproveitando-se da possibilidade de especulação do mercado e utilizando, em boa parte, a compra do token através de criptoativos.

O agente criminoso costuma comprar um NFT com dinheiro “limpo”, vendendo o respectivo token como não fungível e utilizando seu nome. O dinheiro é, então, declarado como lucro de venda. Prática comum também é a evasão fiscal, com a venda do ativo por um preço a comprador fictício.

Tratando-se do uso de “moedas” virtuais descentralizadas, a lavagem de dinheiro é facilitada por encontrar barreiras diminutas à movimentação de fundos ilícitos. Isso sem falar que, imaginando serem as obras e outros artigos em formatos digital, não há necessidade de mobilização e armazenamento físico.

Temos então, somada à dificuldade de rastreio dos responsáveis pela transação, a falta de um regime jurídico próprio para regulação dos ativos financeiros e a insegurança jurídica e fiscal gerada por essa situação sem precedentes para os desafios ligados ao combate à lavagem de dinheiro. As autoridades de diversos países seguem em alerta, atentando às melhores práticas e avaliando as possíveis soluções que acompanhem a evolução da criminalidade digital.

*Thaís Duarte Zappelini é advogada e consultora de Relações Governamentais no ITCN (Instituto de Estudos Estratégicos de Tecnologia e Ciclo de Numerário).

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