Opinião

Nada será como antes

Devemos refletir se fizemos o melhor na pandemia e o que pode ser aperfeiçoado

19 de maio de 2021

FOTO: BRUNO VAN ENCK

Por Nelson Wilians*

Artigo publicado originalmente no Estúdio Folha

Em meio à pandemia que ainda amargura o nosso país, podemos sonhar com uma nova fase, a exemplo do que está ocorrendo em parte da Europa e dos Estados Unidos. Após muitas restrições e uma ampla campanha de vacinação, europeus e americanos estão experimentando um retorno à “normalidade”, com a permissão de atividades coletivas, reabertura de empresas, restaurantes e bares, shows etc.

Porém, como na canção de Milton Nascimento, “sei que nada será como antes, amanhã”.

A crise da Covid-19 afetou a vida no mundo todo. Além de seu efeito primário, a perda de muitas vidas, há uma série de efeitos secundários relevantes que precisam ser considerados daqui para a frente, que representam um desafio às regras jurídicas que regem nossa vida social, política e econômica.

Esses efeitos foram levantados no livro “Law in the time of COVID-19”, produzido pelocorpo docente da Columbia Law School. Eles estão, obviamente, voltados para a realidade americana, mas muitos desses efeitos foram observados também aqui e botam nossa sociedade sob pressão.

A pandemia testou as ferramentas que as autoridades têm para tratar e evitar a propagação de doenças infecciosas, entre elas quarentena, vacinação e saneamento público.

Dessa forma, questões como o direito coletivo e o individual foram colocadas à prova quando se discutia a obrigatoriedade da vacina, assim como o papel da União, dos Estados e Municípios em implantar políticas de saúde.

Fizemos o possível, trocamos o pneu com o carro em movimento. Mas é preciso agora refletir: chegamos ao melhor modelo durante a pandemia? Até onde vai o ‘poder de polícia’ do estado? O que precisa ser aperfeiçoado?

A falta de mecanismos de proteção para garantir renda aos trabalhadores e microempresários em tempo de crise é outro ponto. O que se observou foi um malabarismo jurídico-econômico para retirar do orçamento um benefício minguado de fome para uma parcela de trabalhadores, deixando outra de fora, e que ainda possibilitou uma série de fraudes. Seria necessário um fundo de crise que contemplasse melhor e mais pessoas? Como nosso poder jurídico pode contribuir para regular essa proteção, garantir segurança jurídica e evitar fraudes?

Vale ressaltar ainda que os trabalhadores de baixa renda foram e são os que mais estão expostos ao coronavírus.

Outro efeito acentuado pela pandemia refere-se à superlotação de nossos presídios. A solução mais humana durante a crise da pandemia foi a libertação dos presos de baixa periculosidade para que não contraíssem a doença. E os outros não estavam vulneráveis? Onde está a solução?

Outra ressalva: as mulheres foram extremamente impactadas pela crise sanitária, não só pelas demissões, já que são maioria nas atividades mais afetadas, como pela dupla jornada em um período em que escolas e creches estavam fechadas. Como equalizar essa questão para evitar que as desigualdades não se aprofundem ainda mais no futuro?

Não se trata aqui de criticar o que foi feito, nossas limitações são semelhantes à imagem de um Band-Aid cobrindo o corte de uma cirurgia de tórax.

A intenção é colocar para reflexão essas questões, da mesma forma que o fizeram os autores de “Law in the time of COVID-19”. São questões complexas que, como muitas outras, jáestão notabuleirodesafiandoos operadores do direito e, claro, nossa sociedade.

E é fundamental que, a partir de agora, façamos um esforço conjunto para respondermos à altura essas demandas; caso contrário, tudo será como antes, amanhã.

*Nelson Wilians é advogado, empreendedor, fundador e presidente do Nelson Wilians Advogados

Foto: Bruno Van Enck

Notícias Relacionadas

Opinião

Será o fim do IGP-M nos contratos de locação?

Alta desproporcional de índice e pandemia justificam revisão de preços

Opinião

A desconstrução do governo

2021 foi um ano desafiador e, em muitos aspectos, decepcionante