Opinião

Lixo espacial, Holodomor global e Primavera Árabe

É preciso repensar projetos que estão destruindo o planeta

11 de maio de 2022

Foto: Emerson Lima

Por Nelson Wilians*

Há algumas semanas li uma reportagem da CNN americana sobre a nova empresa de Steve Wozniak, que irá rastrear lixo espacial e usar os dados para auxiliar a evitar colisões com satélites que fornecem serviços de comunicação ou até alertar contra possíveis colisões de naves espaciais.

Wozniak é especialista em programação e cofundou a Apple de Steve Jobs.

Para ajudá-lo nessa empreitada, ele convocou um conhecido de longa data, o empresário Alex Fielding, que atuará como CEO da nova empresa.

A preocupação se justifica à medida que cresce o número de satélites e das peças soltas que voam livremente ao redor da Terra, peças estas que podem ter o tamanho de um smartphone ou de uma estação espacial. E, de acordo com a Nasa, quanto maior a altitude, mais tempo os detritos permanecem na órbita terrestre: acima de 1.000 km, podem circular sobre a Terra por um século ou mais.

O lixo espacial deixado em órbitas abaixo de 600 km, normalmente cai de volta à Terra em alguns anos. Foi o que aconteceu recentemente em São Mateus do Sul (PR), onde um pedaço do foguete Falcon 9, da SpaceX do bilionário Elon Musk, se espatifou.

“Todo progresso é precário, e a solução de um problema nos coloca frente a frente com outro problema” (Martin Luther King).

Estamos repetindo no espaço exatamente a mesma fórmula que está destruindo nosso meio ambiente, com a poluição de rios, mares e o aniquilamento de florestas. E parece não haver cura para essa sanha catastrófica, cuja infeliz herança está sendo deixada para as novas gerações.

“Ad nocendum potus sumus (Temos o poder de prejudicar)”, Sêneca.

Isso me leva a pensar na catástrofe da fome global que está sendo nutrida ainda mais pela guerra de Putin contra a Ucrânia, que provocou a interrupção da exportação de alimentos e a elevação do preço dos fertilizantes e combustíveis.

O autocrata russo pode repetir em escala global o Holodomor (“matar pela fome”), que levou à morte milhões de ucranianos entre 1932 e 1933. As mortes generalizadas teriam sido orquestradas pelos soviéticos que racionaram os alimentos cultivados na própria Ucrânia aos ucranianos.

O atual conflito envolve diretamente dois países que, juntos, produzem quase um terço do trigo mundial.

Combinados com as mudanças climáticas, esses fatores vão elevar em milhões o número de pessoas que irão passar fome este ano. De acordo com o Programa Mundial de Alimentos, a fome deve se agravar, principalmente nas regiões de maior vulnerabilidade, entre elas, o Oriente Médio e o norte da África.

As soluções de curto prazo são difíceis.

Antes da guerra, 26 milhões de refugiados contavam com uma rede de ajuda e organizações governamentais para obter alimentos. O ataque russo deslocou ou refugiou outros cerca de 10 milhões. A organização diz que já teve que reduzir as rações no Iêmen, onde mais de 16 milhões de pessoas sofrem de insegurança alimentar.

“O egoísmo e a ganância, individuais ou nacionais, causam a maioria dos nossos problemas” (Harry S. Truman).

Em 2010, a disparada do preço do pão contribuiu para as revoltas políticas da Primavera Árabe, que se alastrou por diversos países e forçou a mudança de regime no Egito e na Líbia. Os protestos contra os altos preços dos alimentos também contribuíram para a ascensão do violento grupo extremista Estado Islâmico.

A atual oferta global de alimentos não é tão ruim quanto em 2010, mas a oferta global de grãos está agora em uma situação crítica.

Há questões cíclicas, mas principalmente estruturais, que sinalizam a necessidade de uma mudança na mentalidade dos líderes mundiais e no enfrentamento dessa questão. O alimento é um direito humano básico.

O risco, portanto, é iminente. E outras primaveras árabes podem estar sendo geradas ao redor do planeta.

O Brasil, por ser um grande produtor de alimentos, é chamado a encontrar meios para diminuir sua dependência dos fertilizantes importados e reforçar sua produção agrícola para minimizar a escassez alimentar, nesse momento.

Pois, como o lixo espacial, o Holodomor e novas primaveras árabes estão sobre a cabeça de todos. É preciso repensar projetos que estão destruindo o planeta e, sobretudo, os sistemas alimentares globais.

“Tornamo-nos sábios não pela lembrança de nosso passado, mas pela responsabilidade por nosso futuro” (George Bernard Shaw).

*Nelson Wilians é empreendedor e advogado

Foto: Emerson Lima

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