Opinião

Desburocratizar não significa suprimir direitos, nem criar deveres

Ambiente de negócios precisa de maior segurança jurídica para tornar-se mais competitivo

8 de dezembro de 2021

Por Ana Carolina Machado Lima*

Artigo publicado originalmente na ConJur

O governo federal teve uma ótima iniciativa ao unificar e modernizar a legislação infralegal trabalhista, por meio do Decreto 10.854/2021. Alguns pontos podem ser eventualmente questionados. Porém, o saldo é muito positivo, sobretudo em relação à compilação das normas regulamentadoras e de fiscalização do trabalho e às diretrizes estabelecidas para a fiscalização das empresas.

Desburocratizar e modernizar não significa supressão de direitos ou criação de deveres. O ambiente de negócios precisa de maior segurança jurídica para tornar-se mais competitivo e, assim, ser capaz de gerar e manter empregos. O decreto trata de uma enormidade de matérias que devem ser analisadas com cautela e corrigidas, se necessário. Porém, a legislação trabalhista precisa evoluir.

E o decreto pretende fazer justamente isto: eliminar entraves burocráticos e facilitar a vida tanto de empregadores quanto dos operadores do Direito, com um consequente ganho ao trabalhador. Até então havia uma infinidade de normativos (decretos, instruções normativas, portarias e normas regulamentadoras) ultrapassados, não raras vezes conflitantes, e que são utilizados até hoje pela fiscalização de forma arbitrária.

No Capítulo 1, o decreto prevê que toda a legislação infralegal deverá ser catalogada em matérias conexas e disponibilizada em um ambiente único e digital, que deverá ser constantemente atualizado. Atualmente, o empregador está submetido a nada menos que 6,8 mil regras distintas de fiscalização. O governo editou mais de mil decretos em apenas 15 normas. A medida trará transparência e facilitará a observância delas, sobretudo para as pequenas e médias empresas.

Outro ponto interessante está disposto no artigo 8º, §1º, que diz que “é vedada a edição de atos normativos autônomos quando houver ato normativo consolidado ou compilado que trate do mesmo tema”. Ou seja, o decreto impede que os órgãos de fiscalização criem ou inovem por meio de portarias e notas técnicas em relação à matéria já regulamentada, diminuindo, assim, as chances de coexistência de normas contraditórias, num claro intuito de organizar e dar maior entendimento sobre os temas.

Visando a trazer modernidade e incluir as relações trabalhistas num ambiente digital, o decreto cria o”Livro de Inspeção do Trabalho (eLIT), disponibilizado de forma eletrônica, que será utilizado como instrumento oficial de comunicação entre a empresa e os agentes de fiscalização, em substituição ao livro impresso.

Entre os objetivos do eLIT estão: simplificação de procedimento de pagamentos de multas administrativas, registro de atos de fiscalização e seus resultados, viabilização de envio de documentos eletrônicos, apresentação de defesas e recursos administrativos etc. Uma ressalva importante a ser feita em relação à comunicação das decisões na esfera administrativa (sem deixar de reconhecer os benefícios) é que a empresa, quando representada na esfera administrativa por seus procuradores, estes precisam ser devidamente intimados.

É também interessante o disposto no artigo 20, §1º, que estabelece que a defesa administrativa “sempre que os meios técnicos permitirem, será direcionada à unidade federativa diferente daquela onde tiver sido lavrado o auto de infração”. Ou seja, possibilita que a defesa do autuado seja apreciada e julgada por órgão diverso daquele que lavrou a autuação, a exemplo do que já ocorre com as autuações da Receita Federal.

O artigo 22 também aponta que “é vedado ao auditor fiscal do trabalho determinar cumprimento de exigências que constem apenas de manuais, notas técnicas, ofícios circulares ou atos congêneres”. Esse é outro ponto que traz maior segurança jurídica tanto para empregados quanto para empregadores.

Com a pandemia da Covid-19, por exemplo, tem sido muito comum a edição de notas técnicas pelo Ministério Público do Trabalho, e até mesmo pelos órgãos do Executivo. Podemos citar como exemplo a Portaria 620/2021, do Ministério do Trabalho e Previdência, que proibia a dispensa por justa causa de empregados não vacinados, cuja constitucionalidade foi amplamente questionada e até já declarada inconstitucional pelo STF.

Sem adentrar o mérito a respeito do teor da citada portaria, entre outras tantas, fato é que empresários e operadores do Direito passaram por muitos momentos de incertezas, obrigados a agir com extrema cautela, o que é péssimo para o ambiente de negócios, já tão massacrado pelas restrições impostas pelo Estado em nome da segurança e saúde pública. O decreto pretende trazer mais clareza para a mesa e veda a autuação de empresas com base nesses normativos. Se a matéria não é regulamentada em lei (ato privativo do Legislativo), o empresário não está obrigado a cumprir.

Outra novidade consta do artigo 184 do decreto, que possibilita ao empregador armazenar, em meio eletrônico, documentos relativos a deveres e obrigações trabalhistas, incluídos aqueles relativos a normas regulamentadoras de saúde e segurança no trabalho.

O empregador poderá, com mais tranquilidade, valer-se desses meios para armazenamento de documentos, tais como comprovantes de fornecimento de EPI, por exemplo. Diante da inexistência de regulamentação, ficava a critério da fiscalização do trabalho aceitar ou não o armazenamento eletrônico dos comprovantes.

O decreto regulamenta ainda questões de Direito material do Trabalho, tais como: registro eletrônico de controle de jornada, trabalho temporário, relações individuais e coletivas de trabalho rural, que precisam e merecem ser analisados e debatidos com muita cautela. Porém, é inegável que a medida é inovadora e tem o intuito de modernizar e trazer segurança jurídica para a relação capital-trabalho e impulsionar o ambiente dos negócios.

Ana Carolina Machado Lima é advogada, sócia coordenadora da área trabalhista e COO da SGMP Advogados.

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