Opinião

Contratos de trabalho podem ter cláusula de não concorrência

Instrumento pode reduzir o risco de perder colaboradores para concorrentes

16 de dezembro de 2021

Por Mariana Machado Pedroso*

Artigo publicado originalmente no A Gazeta

Com o desenvolvimento das atividades econômicas de maneira cada vez mais ágil e estratégica, e o aumento da concorrência, é de se ter em mente algumas possibilidades juridicamente adequadas para reduzir o risco de perder colaboradores e gestores estratégicos exatamente para concorrentes. Uma delas é a inclusão da cláusula de não concorrência no contrato de trabalho.

O direito ao exercício de atividade profissional é garantido pelo artigo 5º, inciso XIII da Constituição Federal — “é livre o exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão, atendidas as qualificações profissionais que a lei estabelecer” — e as limitações do seu exercício são contidas em lei específica como, por exemplo, a atividade do advogado.

A pessoa faz uma faculdade de Direito, mas para advogar precisa preencher os requisitos previstos no art. 8º da Lei Federal 8.906/94 que regulamenta a atividade do advogado; tem, inclusive, de ser aprovada no exame da Ordem dos Advogados do Brasil.

A cláusula de não concorrência trará uma limitação ao exercício da atividade profissional pelo ex-empregado após o fim do contrato de trabalho.

Imagine-se a seguinte situação: a empresa conta hoje com um empregado que, para desenvolver sua atividade na empresa, precisa ter acesso a informações estratégicas sobre o próprio negócio. Esse empregado pode atuar no âmbito técnico, gerencial ou comercial.

Num belo dia, ele resolve pedir demissão porque recebeu uma proposta melhor, e arruma um novo emprego na concorrente direta da sua antiga empregadora.

Esse empregado levou todo o seu know how adquirido ao longo dos anos para a nova empresa e, agora, competirá com a sua antiga empregadora.

Não se trata aqui de informações confidenciais da antiga empregadora, mas do conhecimento do negócio, das experiências positivas e negativas que ele vivenciou e que, por si só, garantirão uma vantagem concorrencial para sua nova empregadora.

E como isso poderia ser evitado? A empresa poderia ter inserido no contrato individual de trabalho deste colaborador a previsão de que, ao encerrar o contrato, ele não poderia atuar em empresas concorrentes.

No caso de empregados que já estão já trabalhando numa empresa e esta não tomou tal precaução, pode-se fazer um aditivo ao contrato individual de trabalho e incluir essa obrigação.

Mesmo no caso de a empresa já estar dispensando o antigo empregado, pode-se elaborar um distrato e incluir essa obrigação.

Evidentemente, o mais seguro juridicamente é inserir essa obrigação de não concorrência no contrato de trabalho, mas nada impede que tal pactuação seja feita no curso do contrato ou ao finalizá-lo.

Vale aqui lembrar que essa limitação não está prevista expressamente na legislação, mas as decisões judiciais trabalhistas têm reconhecido sua validade com certa frequência. As chances desse reconhecimento pela via judicial aumentam substancialmente quando há previsão expressa em contrato individual de trabalho ou distrato, desde que não tenha o empregado sido forçado a assiná-lo; essa obrigação conte com uma limitação de tempo. Não dá para o empregado se obrigar a nunca mais concorrer com sua ex-empregadora. Afinal, se ele assinar um compromisso desses em todas as empresas por que passa, chegará um momento em que não poderá mais trabalhar sem descumprir a obrigação com alguma de suas ex-empregadoras.

Outro fator que favorece a aceitação judicial da cláusula de não concorrência é que essa obrigação seja remunerada. Sim, porque ninguém assume “de graça” uma obrigação de tal ordem, que vai restringir o seu leque de opções dos locais e atividades profissionais que poderá exercer.

Também é importante que a limitação geográfica da não concorrência não impossibilite o desenvolvimento da atividade profissional. Por exemplo, se um advogado empregado tiver uma restrição em todo território nacional, não poderá advogar. Tal situação levaria à invalidação dessa cláusula de não concorrência na Justiça do Trabalho.

Portanto, a obrigação de não concorrência precisa estar bem clara e delimitada no contrato ou distrato, já observando todos esses requisitos mencionados para que em eventual disputa judicial seja considerada válida.

Infelizmente, pela ausência de regulação específica ainda há problemas para se estabelecer prazo ou valores compatíveis e adequados a esta obrigação. No entanto, seria recomendável, de antemão, que o prazo não seja superior a dois anos, que é o prazo da prescrição para o ajuizamento de ação judicial no âmbito da Justiça do Trabalho; e, ainda, que a remuneração pela não concorrência seja proporcional à que o empregado recebia e à restrição que lhe foi imposta.

Ou seja, a remuneração pela restrição imposta deve levar em conta se a restrição se limita a uma atividade econômica específica – por exemplo, indústria farmacêutica — ou é mais ampla, abrangendo empresas que integram a área de saúde e bem-estar. E considerar o tamanho da base territorial que deve ser observada — se toda a região Sudeste, por exemplo, ou as regiões Sudeste e Sul.

Mariana Machado Pedroso é especialista em Direito do Trabalho, sócia do Chenut Oliveira Santiago Sociedade de Advogados

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