Opinião

As patentes e a segurança jurídica

Prazos para exploração necessitam de melhor regulamentação

22 de setembro de 2020

Por Arnoldo Wald e Marcus Vinicius Vita Ferreira*

Artigo publicado originalmente no Estadão

Está em curso no Supremo Tribunal Federal a Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 5.529, proposta pela Procuradoria-Geral da República, que trata de tema de maior relevância para a indústria, a saúde pública e a economia nacionais: o prazo de vigência das patentes.

A Constituição brasileira estabelece que a lei assegurará aos autores de inventos industriais o privilégio temporário para sua utilização. De maneira simplista, há uma troca: o indivíduo ou a empresa desenvolve uma nova tecnologia que beneficia a sociedade e o Poder Público, em retribuição, garante, por meio da patente, o privilégio de exploração por um tempo previamente determinado.

No Brasil, para as patentes de invenção, esse prazo é de 20 anos, nos termos do artigo 40 da Lei 9.279/96, editada em consonância com padrões internacionais, mais especificamente com o acordo “TRIPS – Trade Related Aspects of Intellectual Property Rights”, subscrito pelo Brasil em 1994.

É importante registrar que o Brasil, por política correta de Estado, não celebrou os outros acordos internacionais do tipo “TRIPS Plus”, que preveem a possibilidade de extensão desse prazo. O legislador brasileiro, porém, resolveu caminhar na contramão dessa decisão, criando um prazo extra, contado a partir do deferimento do registro da patente.

Dessa forma, no Brasil, dois prazos para a duração da patente passaram a coexistir. O primeiro é o regulamentar, contado a partir do depósito do pedido de registro de patente. O segundo é o extra, somado ao primeiro a partir do seu deferimento.

Isso fez com que o prazo de vigência das patentes no Brasil passasse a ser incerto, dependendo do tempo de análise pelo órgão regulador. Infelizmente, no país, esse tempo de análise pode levar muitos anos, fazendo com que os monopólios garantidos pelas patentes durem até 30 anos.

Segundo auditoria do Tribunal de Contas da União, em 2018, por exemplo, 254 patentes foram concedidas com extensão de até três anos, 286 foram concedidas com aumento de quatro a seis anos e 68 com sete a nove anos extras.

As consequências disso para o país e para a sociedade são extremamente nocivas. O efeito prático da extensão é retardar o domínio público da tecnologia objeto da patente.

Na área da saúde o alongamento do prazo tem enorme impacto sobre a população usuária de medicamentos — sobretudo, os mais inovadores e eficazes no tratamento de doenças graves e complexas.  Sem o efeito da competição, esses consumidores ficam por mais tempo expostos aos elevados preços dos remédios protegidos. Há também consequências para o Estado. De acordo com um estudo publicado pela Universidade Federal do Rio de Janeiro, restrito a medicamentos adquiridos em larga escala pelo governo brasileiro, o prejuízo com o prolongamento indevido das patentes seria de quase 4 bilhões de reais, se consideradas as patentes pendentes de aprovação até 2019.

No plano internacional, essa temática sempre foi marcada pela profunda diferença estrutural entre os países desenvolvidos, detentores do maior número de patentes, e as nações em fase de desenvolvimento. Em 2009, Anand Grover, relator especial das Nações Unidas sobre direito à saúde, foi enfático ao recomendar que países em desenvolvimento “deveriam especificamente adotar e aplicar medidas pró-concorrência para prevenir o abuso do sistema de patentes, particularmente no que tange ao acesso a medicamentos”.

Tal recomendação tem sido seguida por países como a Índia, principal player mundial no mercado de medicamentos genéricos. A atual legislação indiana — assim como a de todos os países signatários do acordo TRIPS — não prevê qualquer forma de prorrogação da vigência de patentes, considerando o prazo de 20 anos como amplamente suficiente para a proteção do inventor e investidor.

No Brasil, a segurança jurídica é hoje reconhecida pelo STF como princípio constitucional, além de ser consagrada nas normas jurídicas que asseguram a eficiência do Estado, da administração e do Judiciário. O Poder Executivo, o Judiciário, a opinião pública e a OAB também têm reconhecido que, sem segurança jurídica, não há Estado de Direito. Esse tem sido o posicionamento dos vários ministros do STF em seus votos, artigos e prefácios publicados. O Brasil, mais do que nunca, precisa de segurança jurídica como pilar para os investimentos que ajudarão a reerguer nossa economia. Remover a insegurança sobre a validade das patentes no país faz parte desse processo.

 

*Arnoldo Wald é sócio e fundador do Wald, Antunes, Vita, Longo e Blattner Advogados. Advogado, professor, escritor e jurista. Foi procurador-geral de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, presidente da Comissão de Valores Mobiliários (CVM) e membro do Conselho Federal da OAB. É Doutor Honoris Causa pela Universidade de Paris II e pelo Instituto Brasiliense de Direito Público

*Marcus Vinicius Vita Ferreira é sócio do Wald, Antunes, Vita, Longo e Blattner Advogados. Pós-graduado em Direito do Consumidor pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP) e mestrando em Direito Constitucional pelo Instituto de Direito Publico (IDP). Foi consultor convidado da Comissão de Assuntos Constitucionais e da Comissão de Mediação e Arbitragem do Conselho Federal da OAB

 

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