Opinião

Acionistas minoritários podem controlar grandes companhias

Regra está prevista na Lei das Sociedades Anônimas

5 de agosto de 2021

Por Rodrigo Bornholdt

Artigo publicado originalmente na ConJur 

O Brasil vivenciou por muito tempo, como reflexo da estruturação empresarial que lhe foi peculiar, a constituição e desenvolvimento de companhias com estruturação clara e rígida, em que se podia identificar claramente o acionista majoritário de uma companhia. Embora esse ainda seja o modelo predominante, os casos de dispersão acionária são cada vez mais frequentes.

Trata-se daquelas hipóteses em que um grupo de acionistas minoritários assume o controle da companhia, tendo em vista sua dispersão, fragmentação e até mesmo dificuldades para identificação dos demais acionistas. É que, em várias companhias (normalmente, não necessariamente grandes corporações), as ações podem estar pulverizadas, sem que haja suficiente organização entre os acionistas para constituir a maioria das ações. Há companhias, portanto, que são conduzidas pelos detentores de 10% ou 15% das ações. Isso é muito comum no mercado norte-americano e começa a despontar também no Brasil, em que fenecem as velhas estruturas de companhias familiares ou com uma sólida cadeia de comando.

Joinville, em certo sentido, replicou esse movimento. Veem-se hoje poucas companhias que ainda mantém uma estrutura familiar. Em sua maioria, foram adquiridas por empresas maiores, essas muitas vezes controladas por capital pulverizado. É o caso, por exemplo, da Whirlpool Corporation, que adquiriu há anos a Consul e a Embraco, antigas empresas familiares.

Esse cenário é fértil para as chamadas aquisições hostis. São elas, basicamente, aquelas feitas sem o consentimento da diretoria da companhia, ou daqueles que estão momentaneamente com o controle da companhia.

O fenômeno em que a companhia é controlada por sua minoria está previsto explicitamente na Lei das Sociedades Anônimas, em seu artigo 137, II, “b”. Diz o dispositivo:

“Artigo 137  A aprovação das matérias previstas nos incisos I a VI e IX do artigo 136 dá ao acionista dissidente o direito de retirar-se da companhia, mediante reembolso do valor das suas ações (artigo 45), observadas as seguintes normas:

(…)

II – nos casos dos incisos IV e V do artigo 136, não terá direito de retirada o titular de ação de espécie ou classe que tenha liquidez e dispersão no mercado, considerando-se haver

(…)

  1. b) dispersão, quando o acionista controlador, a sociedade controladora ou outras sociedades sob seu controle detiverem menos da metade da espécie ou classe de ação”.

Em outras palavras, por esse dispositivo legal, quando houver troca de comando numa companhia, porém a partir de um controle efetivado por uma minoria, o acionista dissidente, por esse artigo, não fará jus ao direito de retirada.

Uma oferta hostil pode se dar também através de uma oferta pública de ações (OPA), prevista no artigo 254-A da Lei das Sociedades Anônimas. Nesse caso, os demais acionistas minoritários estarão protegidos quanto a suas ações. O dispositivo prevê:

“Artigo 254-A  A alienação, direta ou indireta, do controle de companhia aberta somente poderá ser contratada sob a condição, suspensiva ou resolutiva, de que o adquirente se obrigue a fazer oferta pública de aquisição das ações com direito a voto de propriedade dos demais acionistas da companhia, de modo a lhes assegurar o preço no mínimo igual a 80% do valor pago por ação com direito a voto, integrante do bloco de controle — § 1º Entende-se como alienação de controle a transferência, de forma direta ou indireta, de ações integrantes do bloco de controle, de ações vinculadas a acordos de acionistas e de valores mobiliários conversíveis em ações com direito a voto, cessão de direitos de subscrição de ações e de outros títulos ou direitos relativos a valores mobiliários conversíveis em ações que venham a resultar na alienação de controle acionário da sociedade”.

Surge a dúvida, contudo, se uma tomada de controle da companhia por minoritários exige a necessidade de uma OPA, permitindo-se uma compensação a todos os investidores. A questão é tormentosa, pois, de fato, o artigo 116 da Lei das SA define o poder de controle da companhia sem a necessidade de que esse controle seja majoritário.

Porém, tanto a CVM quanto uma boa parte da doutrina (Modesto Carvalhosa dentre eles) entendem que essa modalidade não implica a necessidade de realização da OPA. Para tanto, socorrem-se de argumentos baseados na finalidade da legislação e na literalidade do referido parágrafo 1º do artigo 254-A. De fato, o §1º refere-se explicitamente a “ações integrantes do bloco de controle”, o que pressuporia ações capazes de formar a maioria da companhia. Além disso, seria necessário um pagamento prévio aos anteriores controladores da companhia, o que nem sempre ocorre.

Embora esses argumentos possam ser contestados, fato é que assumiram a primazia na compreensão dessa problemática.

Para se contrapor às possibilidades de aquisições hostis, podem os estatutos das companhias estabelecer as chamadas poison pills. Mas esse será assunto a ser tratado em outro artigo. Para o momento, o importante é fixar o seguinte: acionistas minoritários podem controlar, e frequentemente controlam, grandes companhias; nos casos de uma tomada (hostil ou não) de controle por parte de minoritários, não há necessidade de uma OPA nos moldes do artigo 254.

*Rodrigo Meyer Bornholdt é advogado, doutor em Direito das Relações Sociais pela UFPR e autor dos livros “Métodos para a resolução do conflito entre direito fundamentais” (São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005) e “Liberdade de expressão e direito à honra: uma nova abordagem no direito brasileiro” (Joinville: Bildung, 2010).

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