Opinião

A CPI da Covid e a narrativa do litígio – parte 2

Comunicação se tornou, de fato, “um elemento do processo jurídico”

13 de outubro de 2021

Por Nelson Wilians*

Artigo publicado originalmente na Folha

Há crises que são como uma chuva de meteoros, com potencial de risco capaz de transformar reputações em terra arrasada, rapidamente. É onde mídia, opinião pública e processos jurídicos se chocam, gerando imprevisibilidade e expectativa de caos.

Muita técnica sem uma boa política de comunicação pode levar a uma vitória de Pirro, obtida a um alto custo e com prejuízos irreparáveis ao final.

Temos visto algumas organizações e pessoas levando uma verdadeira surra na mídia e se enrolando juridicamente dia após dia, não apenas por ausência de direito, mas também pela maneira como conduzem a comunicação na crise.

No artigo da semana passada, fiz algumas considerações sobre a comunicação do litígio — um campo que começou a tomar corpo com a chegada de novas mídias e a propagação de informações jurídicas. Até julgamentos da mais importante corte do país são transmitidos ao vivo pela TV.

As diversas plataformas alteraram significativamente o cenário da prática do Direito, numa velocidade frenética. A percepção pública de uma questão legal passou a ser influenciada pela narrativa da mídia para atingir públicos específicos.

Seja pela relevância econômica, abrangência ou simplesmente pelo envolvimento de personalidades, o litígio foi elevado ao grau de notícia, ganhando espaço e jornalistas especializados.

A comunicação se tornou, de fato, “um elemento do processo jurídico”. E para caminhar por esse solo pantanoso, a advocacia necessita recorrer a outras habilidades, a fim de operar sob os holofotes do grande público.

Ainda assim, observo que algumas equipes jurídicas preferem o silêncio durante o litígio, como se apanhar calado rendesse dividendos no tribunal. Isso pode ser um erro de estratégia, é preciso repetir mensagens-chave.

É fundamental centralizar e organizar os fatos para que apenas as informações corretas e úteis, dentro dos limites legais, sejam comunicadas à mídia de acordo com o limite de espaço de cada veículo, considerando-se ainda a falta de tempo dos repórteres para esmiuçar informações jurídicas complicadas e descobrir a história que você quer narrar.

Nessa fase em que a pandemia abriu uma nova fronteira na dinâmica jurídica, e com base na experiência acumulada em nosso escritório, gostaria de destacar ainda, para reflexão, a convergência da comunicação do litígio com a da crise.

Como na crise — em que é preciso garantir uma resposta eficaz a um estado de coisas instável que ameace trazer impacto negativo à reputação e às metas de uma organização — é importante ter na comunicação do litígio um plano e uma equipe que passe uma mensagem unificada, para que apenas informações precisas fluam para o público.

Cabe à advocacia diferenciar e combinar elementos de litígio e de crise, já que a história pode viralizar em minutos e o desenrolar da disputa legal conduzir a uma crise de reputação.

Portanto, torna-se necessário identificar e atuar em cada uma dessas linhas que, em determinados momentos, como observei, podem convergir. Porém, a comunicação do litígio difere da de crise em vários aspectos, a começar pelo tempo de um processo, que pode durar anos.

As questões jurídicas são mais complexas, exigindo que os fatos sejam mastigados para comunicá-los de forma compreensível, convincente e eficaz. Os advogados são os mais indicados como porta-vozes por, obviamente, serem especialistas, e a quem a mídia geralmente deseja ouvir.

Por ser de fluxo e refluxo, a comunicação do litígio requer acompanhamento constante, não podendo girar em torno de um evento único que será esquecido com o avanço do processo legal.

Como assinala o consultor americano James F. Haggerty, são necessários habilidades e sistemas para gerenciar a opinião pública nas questões jurídicas, a fim de “vencer a batalha crítica e, talvez, no processo, a guerra”; ou seja, não basta ter o direito, é importante zelar pela forma com que se comunica a percepção desse direito.

*Nelson Wilians é empreendedor e advogado

 

Notícias Relacionadas

Notícias

Bolsonaro cometeu crime comum ao ir às ruas, diz advogado

Cabe ao Ministério Público Federal ajuizar denúncia, explica especialista

Notícias

Projeto amplia prazo para cobrança de dívidas

Destaque prevê o início da vigência da Lei de Proteção de Dados em agosto de 2020