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STJ limita pena de proibição de contratar com o poder público

Decisões estão alinhadas com regra prevista na reforma da Lei de Improbidade Administrativa

26 de julho de 2021

A reforma da Lei de Improbidade Administrativa ainda está em discussão no Congresso, mas no Superior Tribunal de Justiça (STJ) os ministros já têm delimitado territorialmente a punição aplicada às empresas condenadas por irregularidade em contratos com o poder público. A Corte vem revertendo decisões de segunda instância que impediam essas companhias de fechar novos negócios com qualquer ente – municipal, estadual ou federal.

A lei que está hoje em vigor (nº 8.429, de 1992) estabelece a punição de forma ampla: a empresa fica proibida de contratar com o poder público. Ao aplicar essa norma, portanto, os juízes estão afirmando que o impedimento vale para negociações com o ente envolvido e qualquer outro.

O projeto que prevê a reforma da lei restringe a sanção. Se aprovado no Congresso, a proibição ficará limitada ao ente público envolvido. Excepcionalmente e de forma justificada, o juiz poderá ampliar esses efeitos. O PL nº 10.887, de 2018, foi aprovado na Câmara dos Deputados no mês de junho e está, agora, no Senado.

O STJ, portanto, tem se antecipado. Há decisões para delimitar a extensão territorial da sanção nas duas turmas que julgam as questões de direito público, a 1ª e a 2ª. Uma das mais recentes, proferida em junho, às vésperas do recesso, beneficiou a Rápido Luxo Campinas, que atua com transporte urbano.

A empresa foi condenada por um contrato sem licitação com o município de Avaré, no interior de São Paulo. O Tribunal de Justiça do Estado (TJ-SP), ao julgar a ação de improbidade movida pelo Ministério Público (MP-SP), aplicou a lei e a empresa se viu impedida de contratar com qualquer outra administração.

No STJ, o caso foi julgado pela 2ª Turma. Os ministros entenderam ter havido desproporcionalidade entre os atos praticados e a sanção imposta e optaram por limitar o impedimento ao município onde ocorreu o problema (AREsp 1470633).

Prevaleceu o entendimento pela aplicação do “princípio da preservação da empresa”. “A proibição de contratar com o poder público sem qualquer delimitação territorial levaria à impossibilidade de continuidade das atividades”, diz o ministro Og Fernandes, relator do caso. Ele cita, na decisão, que a empresa é especializada em transporte urbano há quase 60 anos e emprega 3,7 mil pessoas.

Na 1ª Turma, há um julgamento ainda em aberto que tem como parte o Bradesco. A instituição financeira tenta reverter uma decisão do TJ-RJ que a impede de contratar com o poder público em todo o país. A condenação ocorreu no ano de 2014, em razão de um convênio firmado com o município de Petrópolis.

Esse caso está desde 2015 no STJ, mas começou a ser julgado em outubro do ano passado. O placar está em dois a dois. Regina Helena Costa e Napoleão Nunes Maia Filho votaram contra a condenação. Já o relator, Sérgio Kukina, e o ministro Gurgel de Faria se posicionaram por manter a punição, mas limitada ao município de Petrópolis. O julgamento foi suspenso e não voltou mais à pauta. Falta só um voto (REsp 1580393).

O convênio entre o banco e a prefeitura foi firmado em abril de 2006. O Bradesco se comprometeu a pagar R$ 5 milhões em troca da administração da folha de pagamento do município. O primeiro a se posicionar contra foi o Tribunal de Contas do Estado (TCE). O órgão indicou que o negócio deveria ser firmado por meio de contrato, e não convênio, o que exigiria licitação.

O Ministério Público do Estado (MP-RJ) usou a contratação irregular para ajuizar uma ação de improbidade administrativa. Em sua defesa, o Bradesco nega que tenha havido qualquer ato de má-fé ou dolo (intenção). Argumenta que o convênio foi celebrado com a Prefeitura de Petrópolis à luz da Lei municipal nº 6.331, de 2006, que nunca foi impugnada em via própria.

O TJ-RJ, ao julgar a ação, entendeu como indevida a dispensa do procedimento licitatório e aplicou a sanção prevista na lei. A relatora, desembargadora Maria Augusta Vaz Monteiro Figueiredo, tratou o banco como “um experiente contratante” da modalidade discutida, citando-o na decisão como o responsável pela folha de pagamento dos servidores do próprio tribunal.

Procurado pelo Valor, o Bradesco informou que não comenta caso em andamento na Justiça.

Na 1ª Turma do STJ, onde corre o processo envolvendo o Bradesco, há pelo menos uma decisão em que os ministros se posicionam a favor dessa delimitação territorial. Foi proferida em benefício de uma empresa de engenharia, a M Tebet.

Esse caso envolveu irregularidades no processo licitatório. Os ministros entenderam como “extremamente gravosa” a pena de proibição de contratar com a administração pública em todas as suas esferas e decidiram restringir ao município envolvido (REsp 1589661).

O advogado Rafael Carneiro, do escritório Carneiros & Dipp, que atuou no caso da empresa de transportes, vê o posicionamento do STJ como “um recado claro” de que o princípio da preservação da empresa não pode ser desconsiderado. “Reforça a necessidade de a nova lei trazer isso de forma expressa”, diz.

Apesar de se alinhar ao que consta no projeto de reforma da lei nesse ponto, o STJ se distancia – por ser mais duro – do trecho que trata sobre os servidores públicos envolvidos em irregularidades, chama a atenção Bruna Luppi, do escritório Bialski Advogados.

A 1ª Seção, que uniformiza o entendimento a ser adotado pelas turmas, tem decisão para determinar a perda do cargo público ocupado pelo agente na data do fato e também no momento do encerramento do processo judicial (ERESp 1701967).

Os ministros se posicionaram dessa forma ao julgar o caso de um policial federal que utilizou uma viatura e munições sem estar em serviço. Ele havia sido aprovado em um concurso para a defensoria pública depois do ocorrido e, com a decisão, ficou impedido de exercer as duas funções.

No projeto de reforma da lei consta que o servidor perderá a função exercida no momento do ato questionado somente. As duas situações – servidor e empresa – estão estabelecidas no artigo 12, parágrafos 1º e 4º, respectivamente.

O PL foi aprovado com ampla margem na Câmara: 408 votos a favor e 67 contra. A principal mudança – e mais polêmica – é sobre a necessidade de ficar comprovado o dolo, ou seja, intenção de lesar a administração pública, para que possa haver a condenação por improbidade. Hoje, qualquer ação ou omissão, com ou sem dolo, gera punição.

Procurados pelo Valor, o MP-RJ e o MP-SP preferiram não se manifestar.

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