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Estados e municípios devem se livrar de indenizar por decretos emergenciais

Para advogados, pandemia inviabilizaria artigo da CLT que prevê o ressarcimento

30 de março de 2020

Na última sexta-feira (27), ao criticar a quarentena adotada por cidades e estados, o presidente Jair Bolsonaro afirmou que prefeitos e governadores ficariam responsáveis pelos pagamentos de eventuais encargos trabalhistas diante de demissões no comércio.

Ele se referia ao artigo 486 da CLT, que afirma: “No caso de paralisação temporária ou definitiva do trabalho, motivada por ato de autoridade municipal, estadual ou federal, ou pela promulgação de lei ou resolução que impossibilite a continuação da atividade, prevalecerá o pagamento da indenização, que ficará a cargo do governo responsável”. Para a maioria dos advogados ouvidos pela ConJur, dificilmente o artigo em questão será aplicado na atual situação.

Paula Corina Santone, sócia da área Trabalhista do Rayes & Fagundes Advogados, acredita que “a aplicação do artigo 486 da CLT para responsabilizar governos estaduais e prefeituras pelos prejuízos causados aos empresários, em relação aos seus empregados por conta dos decretos de quarentena e fechamento de serviços que não são essenciais, é extremamente controversa e de difícil aplicação no contexto atual”.

Já a advogada Mariana Machado Pedroso, especialista em Direito do Trabalho, sócia do Chenut Oliveira Santiago Advogados, afirma que não há dúvida de que a pandemia que vivemos se encaixaria na situação de força maior conforme definição prevista no artigo 501 da CLT. “No entanto, tendo a discordar da possibilidade de se aplicar ao caso que vivemos a previsão contida no artigo 486 da CLT, conhecida como ‘fato do príncipe’, devido sobretudo à interpretação restritiva que a jurisprudência, ao longo dos anos, foi dando ao referido instituto”, explica.

Karen Viero, especialista em Direito do Trabalho Empresarial, sócia de Chiarottino e Nicoletti, afirma que por conta das circunstâncias excepcionais da pandemia, a aplicação do fato de príncipe deve ser observada com cautela, sendo certo que o assunto será muito discutido perante a Justiça do Trabalho e merece ser interpretado em consonância com todos os fatores jurídicos pertinentes.

Jessica Aparecida Gonçalves Diniz, do escritório Nelson Wilians e Advogados Associados, aponta que diante dos riscos irreversíveis que o coronavírus pode causar, o Estado pode tomar medidas para reduzir ou impedir a disseminação do vírus.
Ela cita a determinação do governo estadual de São Paulo, dada por meio do Decreto nº 64.881/2020, que determinou a suspensão das atividades comerciais do estado, à exceção de atividades essenciais, a exemplo mercados e supermercados, postos de gasolina, padarias e farmácias.
“A medida tomada, ainda que vise a assegurar bem tutelado pela Constituição Federal — o direito à saúde — acarreta danos inevitáveis às atividades empresariais, de forma temporária ou até definitiva, ocasionando dispensa de trabalhadores, até de maneira massiva. Com a ocorrência do fato narrado, estaremos diante do factum principis, espécie do gênero de força maior, que deste possui ligeira diferença, pois aquele possui fato impeditivo da continuidade das atividades empresariais, determinada por autoridade governamental”, finaliza.

Antonio Carlos Aguiar, especialista em Direito do Trabalho e sócio do Peixoto & Cury Advogados, tem uma visão diferente. “O factum principis é ato da autoridade pública (federal, estadual ou municipal) que, por via administrativa ou legislativa, impossibilita a continuidade da atividade da empresa. Sua aplicação exclui a responsabilidade do empregador de pagar as verbas rescisórias, eis que o encerramento de suas atividades se deu por motivo de força maior (não previsível, o que afasta o fato dele ter assunção jurídica no risco do negócio). Em situação de calamidade pública, como a que estamos vivendo, sim, é possível sua aplicação”, diz.

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