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Divulgação de nomes de usuários do Google é inconstitucional

Advogados criticam decisão da Justiça que obrigaria a identificação de pessoas

5 de outubro de 2020

O Google entrou com recurso no Supremo Tribunal Federal para não ter que fornecer a lista de pessoas que pesquisaram na ferramenta de buscas o nome de Marielle Franco pouco antes de seu assassinato em março de 2018. Em agosto, a 3ª Seção do Superior Tribunal de Justiça determinou que a multinacional disponibilize as informações às autoridades fluminenses que investigam a morte da vereadora e de seu motorista Anderson Gomes.

A empresa alega que a decisão cria risco à privacidade e viola direitos fundamentais protegidos pela Constituição. Advogados dão razão à gigante da internet.

Maristela Basso, professora de Direito Internacional e Comparado da USP, é contra a divulgação. Segundo ela, a obrigação de provar a autoria de crimes é de quem acusa e não de quem “abriu uma estrada e pavimentou para que o automóvel de todos possa transitar, inclusive aquele do criminoso”.

“Por isso é inconstitucional, ilegal e desproporcional a decisão do STJ para que o Google forneça dados dos seus usuários, de forma indiscriminada, sem individualizar os endereços de IPs. Decisão que não pode ser cumprida pelo Google, pela simples razão de que, assim agindo, vai violar o direito de privacidade dos usuários e poderá sofrer ações de responsabilidade civil em massa daqueles que se sentirem lesados”, diz Basso.

Ainda de acordo com a especialista, o STJ agiu de forma “desmesurada e desproporcional”. “Certamente, o Google, como qualquer outra empresa de tecnologia, deve colaborar com a Justiça, desde que esta tenha um suspeito e saiba o que está procurando”, complementa.

Daniel Gerber, advogado criminalista com foco em gestão de crises e compliance político e empresarial, alerta para os riscos da possível divulgação dos dados.

“Sem a menor sombra de dúvida a decisão do STJ gera um Estado panóptico que não é desejável em nenhuma espécie de democracia. Pessoas que não são investigadas ou acusadas da prática de algum ato ilícito devem ter a sua privacidade e a sua liberdade preservadas acima de quaisquer outros valores. No momento em que, para fins sociais, começarmos a abdicar de tais conceitos e interferir na vida de todo e qualquer cidadão, estaremos também abdicando do conceito de democracia e estado democrático de direito”, analisa Gerber.

Já na avaliação de Blanca Albuquerque, advogada especializada em proteção de dados pessoais pelo Data Privacy Brasil e sócia do Damiani Sociedade de Advogados, a decisão do STJ, caso não seja modificada pelo STF, poderá gerar precedentes para flexibilizar o direito à privacidade dos cidadãos brasileiros, permitindo um verdadeiro “estado de surveillance” no país.

“Neste sentido, cabe lembrar que a União Europeia, após os atentados terroristas de 2005, editou a Diretiva de Retenção de Dados (2006/24), que implicava a retenção dos registros de dados pessoais dos indivíduos pelo prazo de seis meses, para eventual investigação. Entretanto, tal Diretiva foi invalidada pelo Tribunal de Justiça da União Europeia, gerando um precedente de que a privacidade dos indivíduos deve prevalecer sobre a vigilância indiscriminada pelo Estado”, recorda Blanca.

Para a advogada, o Brasil parece fazer o caminho inverso ao da Europa, “ao criar expectativa de precedente de quebra em massa do sigilo de dados pessoais, considerando,  assim, todos seus cidadãos como potenciais criminosos”.

“É incontestável a necessidade de resolução do atentado que matou Marielle Franco e Anderson Gomes. Contudo, também se faz necessária a construção de uma proteção de dados na esfera criminal, sem constituir precedentes que possam flexibilizar garantias constitucionais como a privacidade dos cidadãos”, conclui ela.

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